“A natureza introduziu grande variedade na paisagem, mas o homem manifesta uma paixão para simplificá-la”: os riscos da perda de biodiversidade nos sistemas alimentares e caminhos para a atuação do G20 e organismos internacionais.
Eduardo Nilson, Denise Oliveira e Silva, Erica Ell, Juliana Ubarana
Resumo
Nesse informe, discutimos os avanços na transformação dos sistemas alimentares a partir das recomendações da Diretora da Divisão de Sistemas Alimentares e Segurança de Alimentos da FAO e exemplificada por experiências exitosas de países da América Latina, incluindo as perspectivas de aumento do protagonismo do Brasil nessas agendas.
A biodiversidade no contexto dos sistemas alimentares é definida como a variedade da vida no nível genético, das espécies e dos ecossistemas. Portanto, a biodiversidade é essencial para a alimentação e a agricultura e é essencial para a garantia da segurança alimentar e nutricional e do desenvolvimento sustentável. Assim, a agenda de biodiversidade para a alimentação e agricultura compreende as plantas e animais, selvagens e domésticos, que proporcionam alimentos para humanos e animais, combustíveis e fibras (Food and Agriculture Organization (FAO), 2019).
A relação dos sistemas alimentares com a biodiversidade
Um texto recente do Prof. Ricardo Abramovay (Abramovay, 2023) começa com uma frase profética de Rachel Carson, bióloga marinha, escritora, cientista e ecologista norte-americana, na sua publicação Primavera Silenciosa: “A natureza introduziu grande variedade na paisagem, mas o homem manifesta uma paixão para simplificá-la”.
Carson já antevia os riscos da perda de biodiversidade que acompanhavam a Revolução Verde, a partir da seleção de sementes de maior produtividade associadas ao uso de fertilizantes nitrogenados e a concentração da produção em poucas culturas, criando uma monotonia que favorece o ataque de ervas invasoras, de insetos e de fungos, de modo que levam a um uso cada vez maior de biocidas (agrotóxicos).
Um exemplo claro da perda da perda de biodiversidade é que, das 7.039 plantas comestíveis existentes no mundo, 417 são cultiváveis, mas somente quinze produtos respondem por 90% da alimentação humana e quatro deles (arroz, soja, milho e trigo) representam 60% do total. Essa concentração também tem consequências geopolíticas, visto que 60% do suprimento agrícola global está concentrado em cinco países e riscos sistêmicos desse modelo ficaram muito claros com o desabastecimento de grãos como o trigo decorrentes da guerra na Ucrânia. Além disso, esse novo sistema de produção aumentou significativamente a poluição ambiental e os impactos à saúde humana a partir da redução da biodiversidade dos próprios solos e da liberação de carbono para a atmosfera, somada aos impactos da incorporação do ultraprocessamento dos alimentos como parte desses que viriam a se tornar os sistemas alimentares hegemônicos na atualidade.
Em consequência, os custos das externalidades do atual sistema agroalimentar global chegam a US$ 18 trilhões, sendo US$ 11 trilhões relacionados aos custos às vidas humanas, US$ 7 trilhões em custos ambientais e US$ 1 trilhão em custos econômicos, representando o dobro dos custos atuais do consumo global de alimentos. Em outras palavras, para cada dólar gasto com o consumo dos produtos dos sistemas alimentares hegemônicos há danos correspondentes à saúde humana e planetária na ordem de dois dólares, ou seja, o sistema regido pelo mercado financeiro e interesses econômicos gera prejuízos coletivos muito significativos (United Nations Food Systems Summit 2021 Scientific Group, 2021).
Na sequência do texto Professor Abramovay, como parte dos impactos desses sistemas alimentares hegemônicos, também é destacada a influência da pecuária para a perda de biodiversidade por meio da seleção de raças de aves, bovinos e suínos, levando a uma homogeneidade que favorece difusão de vírus e bactérias, levando à necessidade de uso de antibióticos para evitar sua propagação. Esse maior uso de antibióticos na criação animal aumentou o problema da resistência antimicrobiana, por meio da seleção de micróbios cada vez mais resistentes e que colocam em risco a saúde humana e animal, tornando-se uma questão global de saúde pública. Além disso, em termos da perda de biodiversidade, 96% da biomassa global de mamíferos é representada por rebanhos e 71% da biomassa de pássaros é representada por aves de criação (Bar-On, Phillips e Milo, 2018).
Essas questões, portanto, se articulam muito proximamente com a agenda da Saúde Única (One Health), mostrando muito claramente o caráter predatório dos sistemas alimentares hegemônicos e seus impactos sobre a saúde humana, animal e planetária e como essas questões estão interligadas nas causas das crises globais atuais e quais são as possíveis soluções para reverter esse quadro,
Um outro ponto, não abordado no texto, mas muito relevante, é a incorporação do ultraprocessamento dos alimentos como parte dos sistemas alimentares, ligando as mudanças na agricultura e pecuária à forma que alimentos são produzidos e consumidos. Assim como nos exemplos anteriores, o uso de matérias primas cada vez menos diversas e transformadas em relação à sua matriz natural, como amidos modificados, concentrados proteicos, gorduras modificadas, que constituem a base dos produtos ultraprocessados, levou ao grande aumento no uso de aditivos alimentares cosméticos para transformar esses ingredientes industriais em produtos que imitam alimentos de verdade. São os flavorizantes, aromatizantes, emulsificantes, estabilizantes e outros produtos que dão cor, sabor, cheiro, consistência e textura aos produtos, inclusive contribuindo para sua hiperpalatabilidade, que favorece o consumo exagerado. Por essa mesma formulação de caráter industrial e ligada a uma produção com pouca biodiversidade, os produtos são desbalanceados nutricionalmente, sendo pobres em nutrientes essenciais e frequentemente ricas em nutrientes críticos, associados ao risco de doenças crônicas não transmissíveis. Uma pesquisa recente no Brasil mostrou que 98,8% dos produtos ultraprocessados vendidos nos supermercados do país contêm ingredientes nocivos à saúde, incluindo aditivos cosméticos e nutrientes críticos (Canella et al., 2023).
Quantificando os impactos ambientais dos sistemas alimentares associados aos produtos ultraprocessados, estes estão associados a 39% do uso de energia, 36% a 45% da perda de biodiversidade, um terço das emissões de gases de efeito estufa, de uso da terra e perdas e desperdícios e aproximadamente um quarto do uso de água relacionado às dietas pelos adultos de países de alta renda. (Anastasiou et al., 2022).
No campo da própria ciência da nutrição, o que muitos especialistas chamam de “nutricionismo” e seus ícones como a pirâmide alimentar, ou seja, o foco nos nutrientes dos alimentos em vez dos alimentos e padrões alimentares, também favoreceu a perda da biodiversidade na alimentação ao fortalecer as narrativas dos sistemas hegemônicos e seus produtos. Por outro lado, a mudança de paradigma trazida pela classificação NOVA dos alimentos, segundo o propósito e o grau de seu processamento, embasa recomendações dietéticas baseadas na diversidade de alimentos in natura e minimamente processados, evitando os ultraprocessados, como base para dietas e sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis.
Por fim, a questão do preço dos alimentos deve ser adicionada nessa discussão, na medida em que a Revolução Verde permitiu inicialmente um aumento significativo na produção dos alimentos e seu consequente barateamento, com impactos iniciais na redução da insegurança alimentar e nutricional no mundo. Contudo, os sistemas de produção em que essa revolução se baseia levaram à concentração de recursos e renda e, com o barateamento dos ultraprocessados em relação aos alimentos in natura e minimamente processados, favoreceram o crescimento da participação dos ultraprocessados nas dietas e tiraram o espaço na produção e consumo de alimentos saudáveis, como frutas, verduras e grãos integrais, principalmente entre as populações mais vulneráveis, aumentando desigualdades socioeconômicas e em saúde.
Relembrando as discussões do Informe 15/2023 do CRIS, os sistemas alimentares hegemônicos estão entre as principais causas da ruptura dos limites planetários para a garantia da sobrevivência da humanidade: mudanças climáticas, perda de biodiversidade, mudanças nos ciclos do nitrogênio e do fósforo, perda da camada de ozônio, acidificação dos oceanos, uso de água doce, mudanças no uso das terras, poluição atmosférica com aerossóis e poluição química. Até a última década, seis dessas barreiras já haviam sido rompidas e as restantes atualmente estão em grande risco (Rockström, Steffen e Noone, 2009).
Nesse sentido, juntando as características da produção e alimentos, desde a agropecuária até o processamento industrial, somam-se impactos ambientais dos sistemas alimentares hegemônicos, desde o desmatamento para as plantações e pecuária até as embalagens dos produtos (Fardet e Rock, 2020)(Ridoutt et al., 2019)(Leite et al., 2022)(Seferidi et al., 2020). Esses sistemas alimentares são responsáveis por 26% das emissões de gases de efeitos estufa, pelo uso de 50% da terra habitável, por 70% do uso de água fresca e por 78% da poluição (eutrofização) das águas do planeta (Poore e Nemecek, 2018). No Brasil, durante as últimas três décadas, houve aumento de 21% na produção de gases de efeito estufa, de 22% na pegada hídrica e de 17% na pegada ecológica relacionadas à dieta, sendo que a contribuição dos ultraprocessados para essas pegadas ambientais aumentou em 183% a 245% nesse período (T Da Silva et al., 2021).
Em outras palavras, as revoluções na alimentação baseadas nas monoculturas de commodities agrícolas com alto uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos junto com o ultraprocessamento dos alimentos, a pretexto de possíveis benefícios às populações, sempre trouxeram externalidades negativas cujo combate gerou mais problemas à saúde humana e planetária e a perda de biodiversidade nos sistemas alimentares está entre as causas desses problemas.
Os compromissos internacionais e a atuação da FAO
Em agosto de 2023, a FAO participou da 7ª Assembleia do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (Global Environment Facility), que discutiu as metas do Quadro Global de Kunming-Montreal para a biodiversidade, que tratam de suas interações com a redução da poluição ambiental e das perdas na natureza, o combate às mudanças climáticas e a conservação inclusiva e comandada localmente. O Fundo é dedicado exclusivamente para apoiar esse Quadro Global que busca reverter a perda de biodiversidade até 2030 e colocar a natureza em uma rota de recuperação até 2050.
No Quadro Global de Kunming-Montreal, mais da metade das metas estão diretamente relacionados aos setores de agricultura e alimentação, considerando os indicadores da restauração dos ecossistemas, dos estoques de peixes, das áreas de agricultura produtiva e sustentável e do gerenciamento florestal sustentável (Convention on Biological Diversity, 2022).
Na assembleia, a FAO coordenou discussões de alto nível sobre a novos paradigmas para a construção das cidades, sobre a transformação dos sistemas alimentares e sobre o gerenciamento para resultados ambientais, e destacou projetos no contexto do Fundo como iniciativas de pesca costeira e o Programa de Oceanos Comuns, além de lançar uma publicação sobre a nutrição nos investimentos do Fundo. Além disso, a FAO é membro do grupo técnico ad hoc de especialistas sobre Indicadores do Quadro Global de Biodiversidade e é uma das lideranças da Década de Ação sobre Restauração dos Ecossistemas, junto com o Programa Ambiental das Nações Unidas (Food and Agriculture Organization (FAO), 2023)
Segundo a Vice-Diretora Geral da FAO, Maria Helena Semedo, durante o evento, o Quadro Global de Kunming-Montreal coloca os sistemas agroalimentares na linha de frente do grande desafio de construir soluções em que todos ganham (win-win) para as pessoas e o planeta diante da ação climática. (Food and Agriculture Organization (FAO), 2023).
Adicionalmente, às vésperas da Cúpula de Sistemas Alimentares +2 (UNFSS+2), a diretora da Divisão de Sistemas Alimentares da FAO, Corinna Hawkes, reforçou também que aumentar a diversidade dentro dos sistemas alimentares é uma das chaves para sua transformação (FAO, 2023). Nesse sentido, a transformação dos sistemas agroalimentares alinhada a partir da prioridade à diversificação dos sistemas produtivos, utilizando múltiplas espécies, raças e variedades, integrando o uso da biodiversidade de plantações, da pecuária, das florestas e das águas e promovendo a diversidade dos habitats para apoiar a produção sustentável e trazer sinergias e impactos benéficos no aumento da resiliência dos sistemas, no enfrentamento da crise climática, na melhoria das condições de vida das populações e na garantia de sua segurança alimentar e nutricional.
Contudo, são necessários compromissos maiores no campo da biodiversidade nos sistemas alimentares, bem como salvaguardas em relação a conflitos de interesses e lobbies incompatíveis com os interesses coletivos das populações e do planeta, tendo em vista que os sistemas hegemônicos têm perpetuado e ampliado seu poder e influência inclusive no âmbito da agenda global como da UNFSS+2 (Canfield, Anderson e Mcmichael, 2021). Somado ao isso, é subestimada ou desconsiderada a influência dos produtos ultraprocessados nas discussões globais de sistemas alimentares, convenções de biodiversidade e conferência sobre mudanças climáticas (Leite et al., 2022).
A permanência dessa dicotomia entre sistemas hegemônicos e da alimentação baseada em sistemas diversificados na agenda dos organismos internacionais e dos países, atrasa significativamente as transformações, pois fragiliza os compromissos globais e nacionais e limita os espaços de transformação às iniciativas locais. Ainda que transformações a partir das bases, das políticas e ações locais sejam fundamentais, elas encontram barreiras grandes quando confrontam os interesses corporativos e disputam em condições desigual os espaços dentre dos sistemas alimentares ao tentarem ganhar escala.
Recomendações da ciência brasileira para o Brasil e para o G20
De volta ao texto do Professor Abramovay, em sua conclusão são apontados caminhos para a transformação dos sistemas alimentares e de demandas para o G20. Um primeiro ponto é a eliminação do desmatamento, mas mudanças mais profundas são necessárias, a partir de uma agropecuária regenerativa e de uma oferta alimentar acessível e saudável tem alcance global, às quais se opõem os sistemas hegemônicos, baseados em cadeias produtivas longas e internacionalizadas.
Todavia, esses problemas são complexos, envolvendo primeiramente questões de natureza geopolítica, tendo em vista que a produção dos commodities agrícolas está concentrada em alguns poucos países e, dentro destes, em algumas poucas regiões, aumentando sai suscetibilidade às mudanças climáticas. Em segundo lugar, a monotonia agropecuária está intimamente ligada à produção dos ultraprocessados e suas consequências sobre a saúde humana e planetária, representados pela sindemia global de desnutrição, obesidade e mudanças climáticas, logo as soluções devem se basear na diversificação da produção, oferta e consumo de alimentos, valorizando diferentes territórios, recuperando culturas produtivas e culinárias locais e ampliando tecnologias regenerativas. Ao contrário de continuar insistindo em soluções baseadas nos mesmos sistemas alimentares que causaram as atuais crises, como, por exemplo, focando genericamente no aumento na oferta de grãos, transformações devem considerar alternativas como a economia de proximidade (incluindo a agricultura urbana e periurbana) e ampliando a oferta de frutas, verduras e produtos frescos.
Ainda, pensando em sugestões ao G20, a Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública da USP e o Instituto Comida do Amanhã apresentaram um documento com propostas ao G20 a partir da recuperação da biodiversidade dos sistemas alimentares globais, reforçando o potencial do Brasil ser protagonista nessa transição, na qual a priorização do tema na agenda é fundamental (Cátedra Josué de Castro e Instituto Comida do Amanhã, 2023).
O chamamento à ação leva em consideração que o G20 deve abordar a transformação dos sistemas alimentares de maneira integrada com o conceito da Saúde Única e com os ODS, articulando dietas saudáveis, a regeneração dos serviços ecossistêmicos e o bem-estar animal.
Na contextualização trazida nesse texto conjunto, reforça-se que os sistemas agroalimentares dominantes são baseados na homogeneidade, desde as culturas agrícolas e a pecuária até os ingredientes dos produtos ultraprocessados, que ligam esses sistemas à sindemia global de desnutrição, obesidade e mudanças climáticas e à redução da biodiversidade global. A partir disso, é feito um chamamento inicial à cooperação nos espaços multilaterais, como o G20, para combater os efeitos nocivos desses sistemas à saúde humana, animal e planetária e fortalecer a produção local, saudável e diversificada, que, na prática, implica grande reorientação drástica de políticas como os subsídios para a agricultura e a pecuária do nível nacional ao nível global e a preservação da sociobiodiversidade, inclusive nas florestas.
Assim, é prioridade na transformação dos sistemas alimentares quebrar essa monotonia na produção e nas dietas, por meio de práticas de agricultura e a pecuária que respeitem os limites ecossistêmicos do planeta. Por exemplo, ao contrário das longas cadeias de suprimentos dos sistemas hegemônicos, os circuitos locais promovem a preservação da agrobiodiversidade e a redução das perdas e desperdícios, enquanto também promovem a educação dos consumidores para mudanças nos hábitos alimentares. Isso envolve a reorientação da agricultura e do processamento dos alimentos, tendo em vista que os ambientes alimentares, principalmente no meio urbano, são frequentemente dominados pela presença de produtos ultraprocessados, caracterizando desertos e pântanos alimentares.
Nesse sentido, é fundamental abordar esse problema sob a perspectiva do consumo e da demanda de alimentos, incluindo um olhar específico que contemple as novas dinâmicas entre o rural e o urbano para promover e apoiar a diversificação das dietas. As formas de abastecimento das cidades precisam ser repensadas, ampliando o acesso aos alimentos saudáveis e produzidos de forma sustentável, a exemplo dos circuitos de proximidade e da economia circular. Além disso, o processamento industrial precisa ser repensado, particularmente com foco em uma reformulação que vá além da redução de nutrientes críticos para priorizar a substituição dos ingredientes de natureza química por alimentos in natura e minimamente processados, de modo a reduzir a oferta de ultraprocessados.
Dessa forma, as recomendações específicas para o G20 no campo das transformações nos sistemas alimentares incluem:
- o compromisso dos países com a redução do fornecimento de produtos ultraprocessados;
- a implementação de rotulagem nutricional que permita aos consumidores reconhecer a saudabilidade dos alimentos e orientar escolhas alimentares mais saudáveis;
- o compromisso com a tributação de produtos ultraprocessados;
- o reconhecimento das orientações nos guias alimentares baseados em alimentos (como o brasileiro), de favorecer o consumo de produtos frescos ou minimamente processados, preferencialmente de origem local;
- a proibição da comercialização de produtos agrícolas provenientes de áreas recentemente desmatadas, conforme adotado pela União Europeia;
- o financiamento e oferecimento de incentivos adequados a práticas e abordagens favoráveis à biodiversidade na agropecuária;
- a redução global dos insumos químicos na agropecuária;
- o apoio ao estabelecimento de mecanismos para alcance dos objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP15);
- o apoio à redução de subsídios agrícolas, sugerindo que estes sejam direcionados para o cumprimento de metas sociais e ambientais; e
- o compromisso com políticas voltadas a sistemas alimentares urbanos com base no conceito de economia circular para abordar a produção local de alimentos (diversidade), bem como combater a perda e o desperdício de alimentos e garantir ambientes alimentares urbanos saudáveis.
O Brasil, particularmente, se coloca novamente como potencial protagonista nessas agendas, tomando em consideração a reorientação atual das políticas nacionais e as prioridades assumidas pelo país para sua presidência do grupo.
Em relação às políticas nacionais, a recriação e fortalecimento da governança das políticas de segurança alimentar e nutricional (SAN) são pontos cruciais para a redução da fome no país e, aliados ao estímulo à agricultura familiar e à agricultura urbana e periurbana, priorizando a agricultura orgânica e agroecológica junto com a exploração sustentável das florestas e águas, trazem elementos para articular efetivamente preservar e recuperar a biodiversidade nacional e promover a SAN da população em sua completude, ou seja, realizando o direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
Ao mesmo tempo, ao anunciar as três prioridades da presidência brasileira do bloco, duas estão diretamente vinculadas à agenda dos sistemas alimentares: o combate à fome e o desenvolvimento sustentável, e, no discurso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o destaque à necessidade de atuação urgente sobre as mudanças climáticas remete aos sistemas alimentares, incluindo o papel da garantia da biodiversidade, também traz elementos importantes para que o Brasil fomente compromissos globais nessas transformações a partir do bloco.
Conclusão
O momento atual é muito oportuno para fortalecer e dar concretude aos compromissos relacionados à transformação dos sistemas alimentares globais a partir do impacto que a atuação do G20 fornecimento de alimentos, principalmente assumindo o impacto negativo dos ultraprocessados e dos sistemas produtivos baseados em comodities e reconhecendo a importância de abordar respostas orientadas para a aproximação da produção agrícola diversificada aos espaços urbanos um de seus caminhos mais promissores.
Porém, é importante ir além da simples menção a esses compromissos no discurso para trabalhar especificamente para uma agenda comum dos países no contexto dos sistemas alimentares para alcançar esses objetivos, começando por um reconhecimento do impacto negativo dos sistemas hegemônicos e da necessidade de reorientação das políticas. Em outras palavras, mencionar a prioridade ao combate à fome, à preservação da biodiversidade e ao enfrentamento das mudanças climáticas sem mostrar que elas estão ligadas e que os sistemas alimentares hegemônicos estão entre suas causas fragiliza as respostas a esses problemas em âmbito nacional e global e compromete a garantia da saúde humana, animal e planetária através da transformação nos sistemas alimentares. Essas agendas devem estar igualmente integradas na atuação da OMS, FAO, Unicef e PMA, reforçando os compromissos assumidos e apoiando os países em sua implementação.
Referências
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