Sabedorias Tradicionais: Conhecimentos ancestrais rumo à sustentabilidade.

Quem nunca viu ou ouviu falar sobre jogar flores para Iemanjá ou vestir roupa branca na virada do ano, buscando paz e boas energias para o ano que chega? Mas de onde vêm essas tradições? Sabemos que têm raízes na cultura afrobrasileira, e muitos brasileiros e muitas brasileiras as incorporaram em seus rituais de passagem de ano. Se não fosse assim, não veríamos tantas pessoas reproduzindo essas práticas ano após ano em toda extensão territorial do nosso país.

Por outro lado, as Comunidades e os Povos de Matrizes Africanas vêm ao longo dos séculos resistindo e sobrevivendo em uma sociedade onde o racismo estrutural invisibiliza e inviabiliza suas tradições. A população negra frequentemente enfrenta condições desfavoráveis de acesso a bens e serviços e não tem sua sabedoria ancestral devidamente reconhecida e valorizada.

O resultado desse descaso é visível na crise ambiental global, como destacou o Ashogun do Terreiro Omijuarô, Pai Aderbal Moreira, que também coordena a Rede Afroambiental, durante a Oficina sobre Ancestralidade e Crises Climáticas, realizada nos dias 25 e 26 de julho na Fiocruz Brasília. Ele explicou que, nos terreiros de matrizes africanas, o conhecimento tradicional, a relação com a terra, o alimento e a espiritualidade formam um tecido composto por práticas e saberes ancestrais, transmitidos de geração em geração, os quais constituem uma ciência que transcende e que o olhar da academia e suas epistemologias referenciais não alcançam. Causa indignação perceber como essa mesma ciência frequentemente trata quem tem o conhecimento tradicional apenas como objeto de estudo, desconsiderando seus acúmulos de experiências com a natureza e sua profundidade na relação com a espiritualidade.

Esta foi uma das várias contribuições que esta oficina ofertou. A vivência de encruzilhadas de saberes que se encontram como resgates de oralidades que buscam aproximações comunicativas. 

A experiencia vivida, declarada por quem participou do evento, trouxe possibilidades de construção de repertórios de saberes para a construção de caminhos de conhecimento para a superação de racismos e intolerâncias.

Pode-se considerar, ainda nos limites das trocas orais entre os participantes desta oficina, a busca de letramentos sobre os povos e comunidades de matriz africana, visando adquirir conhecimentos e sabedoria ancestral para contribuir para superação dos problemas contemporâneos climáticos.

As palavras de Pai Aderbal, relacionando cultura e tradição com nosso cotidiano, revelava a grandiosidade da conexão entre a natureza e o sagrado como extensão do homem e da sua ancestralidade. Afinal, a nossa relação com o meio ambiente existe desde que o mundo é mundo, e é nesse lugar onde se encontram os grandes ensinamentos da humanidade.

Lamentavelmente, o descaso com o meio ambiente e com os saberes ancestrais se manifestam de forma explícita a cada dia, como vimos recentemente na tragédia da enchente no Rio Grande do Sul. Precisamos focar nossa atenção nesses problemas. A resposta para mitigá-los está em nossas mãos e no conhecimento dos povos originários e tradicionais. O que devemos fazer? Ouvi-los atentamente e valorizar seus ensinamentos construídos e perpetuados através da oralidade transmitida de geração para geração em vez de tratá-los como objetos de estudo, como bem destacou Pai Aderbal.

Ele falou ainda sobre os Orixás, inkices, voduns, entidades africanas que personificam as forças da natureza, como por exemplo, Oxóssi, o caçador, que nos ensina sobre a floresta e a importância da sustentabilidade; Iemanjá, a senhora das cabeças e rainha dos oceanos, que nos lembra da necessidade de respeitar e proteger os oceanos, Xangô, o deus da justiça e do fogo da vida, o qual clama por equilíbrio e retidão. Segundo o Ashogun, cada Orixá nos conecta a um aspecto da natureza e, por meio dessa conexão, aprendemos o que precisamos trabalhar como humanidade.

A facilidade com que Aderbal transitava entre a representação das forças da natureza e a conexão com os alimentos, como simbolismo profundo nos rituais dos terreiros, evidenciava a potência do que vem da terra. A oferenda de frutas, grãos e comidas típicas é uma forma de se conectar com o sagrado. O cheiro da feira, com suas especiarias, vegetais, plantas e frutas, evoca memórias, significados e tradições, reforçando a nossa identidade como sociedade brasileira. 

Complementarmente, o aroma das frutas frescas e das ervas aromáticas revela a diversidade presente nos biomas e tudo que a terra nos oferece, incluindo também os remédios para os males que afligem nosso corpo. Assim, é na valorização do conhecimento dos povos originários e das comunidades de matrizes africanas que encontramos a chave para a mudança e o reencontro com o sagrado, com a terra e com nossa própria essência.

Nessa perspectiva, a cultura conecta saberes e vivências. Os cânticos entoados nos terreiros, os ritmos dos tambores e as danças vibrantes são expressões vivas dessa ancestralidade. E novamente: todos esses elementos estão interligados e potencializam a vida de uma forma incontestável. Elas nos ensinam que a verdadeira mitigação da crise global está no retorno às nossas raízes, no respeito à terra e no entendimento de que somos parte de um todo maior. 

Como disse a Yalorixá Mãe Beata de Iemanjá.: “Quem não sabe de onde vem, não sabe para onde vai.”  Essa frase emblemática ecoa como um lembrete constante da importância de honrar nossas origens e de buscar, no conhecimento ancestral, as respostas para os desafios contemporâneos. O caminho para um futuro sustentável e equilibrado está na valorização de nossas raízes, na integração do saber tradicional com o respeito à natureza e na reconexão com o sagrado que habita em cada um de nós, como extensão da nossa grande mãe, o planeta Terra.