Perspectivas para a Década de Ação sobre a Nutrição na AGNU: perdemos o fôlego na reta final?

Eduardo Nilson Denise Oliveira Resumo

Perspectivas para a Década de Ação sobre a Nutrição na AGNU: perdemos o fôlego na reta final? : Nesse informe, discutimos as expectativas para a Década de Ação sobre a Nutrição na 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) e compartilhamos as percepções gerais que evidenciam uma desaceleração da Agenda, principalmente após seu meio de caminho e possível transferência das agendas para outras iniciativas, como a Cúpula de Sistemas Alimentares e os próprios Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), deixando dúvidas sobre os encaminhamentos e prioridades futuras que serão apresentados oficialmente.

Em 2025, está previsto o término da Década de Ação das Nações Unidas sobre a Nutrição e deverá ser apresentado um relatório de monitoramento na 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), durante a última semana de setembro deste ano, cujo tema será “Deixar ninguém para trás: atuando juntos para avanços na paz, desenvolvimento sustentável e dignidade humana para as gerações presentes e futuras” (“Leaving no one behind: acting together for the advancement of peace, sustainable development and human dignity for present and future generations”).

Nos documentos preparatórios para a AGNU, os temas de segurança alimentar, agricultura e nutrição estão presentes em diferentes temas, para além da alimentação, como cooperação para o desenvolvimento industrial, papel das mulheres no desenvolvimento, desenvolvimento de recursos humanos, erradicação da pobreza rural e outros, mostrando a importância da atuação intersetorial no tema. Além disso, a Cúpula de Sistemas Alimentares reforça a centralidade da agenda de segurança alimentar e nutricional em nível global, articulados com grande parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Diagnósticos recentes sobre os avanços nos ODS, no entanto, são muito preocupantes, na medida em que a recuperação pós pandemia em relação à redução da fome tem sido desigual e insuficiente (FAO/IFAD/UNICEF/WFP/WHO, 2024), assim como temos poucos ODS relacionados à nutrição e saúde que poderão ser alcançados em 2030, se mantidas as atuais tendências. Por exemplo, as prevalências de obesidade e das doenças crônicas não- transmissíveis (DCNTs) relacionadas à alimentação inadequada continuam aumentando a cada ano globalmente (World Healtrganization (WHO), 2024). Reforça-se, assim um cenário em que a dupla carga da má nutrição se consolida principalmente nos países de baixos e médios rendimentos e as questões de segurança alimentar e nutricional se juntam às consequências negativas dos sistemas alimentares hegemônicos sobre o meio ambiente, na forma da sindemia global de desnutrição, obesidade e mudanças climáticas (Swinburn et al., 2019).

Por isso, o momento é muito oportuno para os encaminhamentos para o fechamento da Década de Ação sobre a Nutrição, a partir de um monitoramento mais amplo de seus resultados e seu possível legado diante da continuidade de muitas de suas agendas e compromissos, porém também traz novamente preocupações sobre a fragmentação da agenda de SAN global e a falta de filtros sobre a participação do setor privado nessa agenda.

Histórico recente dos compromissos globais de SAN: prioridades e riscos

Nas últimas décadas, a agenda global de alimentação e nutrição tem apresentado múltiplos fóruns e movimentos, desde a II Conferência Internacional de Nutrição (ICN2) (Food and Agriculture Organisation of the United Nations, 2014) até a Década de Ação sobre a Nutrição (UN General Assembly, 2016) e a Cúpula das Nações Unidas sobre Sistemas Alimentares(United Nations Food Systems Coordination Hub, 2023), além das interfaces com iniciativas como o Scaling Up Nutrition (SUN)(Scaling Up Nutrition, 2024) e Nutrition for Growth (Nutrition for Growth, 2024), bem como com compromissos mais ampliados incluindo os ODS e as metas para mudanças climáticas e para doenças crônicas não-transmissíveis.

Nesse contexto, primeiramente, o ICN2, em 2014, ficou marcado como um momento crucial de elevação da agenda de nutrição no mundo, chamando a responsabilidade de organismos internacionais, governos nacionais e outros atores para essa agenda, abrindo espaço para mais compromissos e iniciativas globais. Na sequência, a Década de Ação sobre a Nutrição vem como uma das primeiras respostas dos organismos internacionais para fortalecer o pedido para o engajamento de todos os atores envolvidos na agenda de nutrição para acelerar o alcance dos compromissos do ICN2 e pedindo novos compromissos nacionais (SMART – acrônimo em inglês para específicos, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e delimitados no tempo), em alinhamento com os ODS e com as metas de enfrentamento das DCNTs, para eliminar todas as formas de má nutrição e não deixar ninguém para trás. Para tanto, a partir dos governos, foi recomendada a busca de apoio, sempre que necessário, de organizações da sociedade civil, academia e setor privado, buscando evitar conflitos de interesses nessas interações. Como suas áreas estratégicas de ação estão: sistemas alimentares sustentáveis e resilientes para dietas saudáveis, sistemas de saúde alinhados e com cobertura universal de ações essenciais de nutrição, proteção social e educação nutricional, comércio e investimento para melhor nutrição ambientes seguros e apoiadores para a nutrição em todas as idades e fortalecimento da governança e prestação de contas para a nutrição.

Depois, com a Cúpula de Sistemas Alimentares, em 2021, foi estabelecida a prioridade a fortalecer e transformar os sistemas alimentares e, com a criação de um Hub de Coordenação, catalisar da relação entre o Sistema das Nações Unidas e os sistemas alimentares e a Agenda 2030, apoiando países na transformação de seus sistemas alimentares por meio da coordenação do apoio técnico e político. Dentre seus eixos de ação, destacam-se a garantia do acesso a alimentos seguros e nutritivos para todos, a mudança para padrões de consumo sustentáveis, o incremento da produção positiva para a natureza, o avanço em modos de vida equitativos e a construção de resiliência a vulnerabilidades, choques e estresse.

Entretanto, desde o início da discussão da Cúpula, surgiram muitas dúvidas em relação a possíveis sobreposições e duplicidades particularmente em relação à Década de Ação sobre a Nutrição, levando a riscos de fragmentação da agenda e dos compromissos, fragilizando o todo, apesar da argumentação oficial em resposta falar de que as múltiplas iniciativas representariam um reforço mútuo para fortalecer a agenda e mantê-la como prioridade global.

Ao mesmo tempo, também desde o início das movimentações para a Cúpula de Sistemas alimentares, houve inúmeras denúncias de falta de espaço para a participação ativa da sociedade civil e de captura de sua coordenação global, inclusive levando à saída de muitas organizações não-governamentais do processo. Segundo essas denúncias, poderia estar havendo um favorecimento dos interesses da agricultura industrial, promovendo o neocolonialismo, em detrimento dos saberes ancestrais e formas populares de manejo agrário, resultando no risco de tornar os pequenos produtores, principalmente no continente africano, reféns de novas tecnologias estrangeiras e das demandas do mercado globalizado, e de reduzir a produção local de alimentos para a própria população.

Apesar da coerência lógica do racional comum, assim como do esforço para buscar o alinhamento, integração e a continuidade das iniciativas, na prática as novas iniciativas têm trazido diferentes mecanismos de atuação das agências e dos países que as próprias agências. Em consequência, têm sido detectada uma redundância de compromissos e relatos de dificuldade em diferenciar e articular esses mecanismos, como no caso das Redes de Ação propostas pela Década de Ação pela Nutrição e as Coalizões propostas pela Cúpula de Sistemas Alimentares.

Além disso, conforme já discutido em alguns de nossos informes anteriores dos Cadernos CRIS Fiocruz, em função desses múltiplos movimentos e iniciativas, o enfoque de múltiplos atores nas agendas de nutrição tem substituído o multilateralismo, de modo que os compromissos dos governos nacionais com políticas estruturantes têm se reduzido e a participação de entidades do setor privado tem aumento, inclusive no financiamento das agendas e das próprias agências. Igualmente preocupante é o fato de que a um constante chamamento pelas próprias agências pela participação do setor privado sem a incorporação e aplicação de mecanismos de identificação e manejo de conflitos de interesses.

Com isso, é reconhecido um grande aumento da visibilidade da agenda, porém com a reiterada preocupação de que essa ubiquidade do tema da nutrição nas pautas pode fortalecer ou fragmentar as ações e compromissos e a governança da agenda. Além disso, nesses processos, o multilateralismo vem dando lugar a um enfoque de múltiplos atores, em que a participação e os compromissos de governos nacionais se reduzem e a participação de financiadores externos cresce, incluindo corporações ligadas ao agronegócio, indústrias de alimentação e mercado financeiro. Por fim, e não menos importante, os espaços de participação da sociedade civil internacional nesses processos têm sido reduzidos e o manejo de potenciais conflitos de interesse, insuficiente.

Alguns exemplos das consequências desse problema estão nas denúncias de risco de captura corporativa das agências e suas agendas, de “blue washing” (associado ao green, social, health e pink washing) e da influência crescente do filantrocapitalismo (FIAN, 2022). Exemplos claros estão na participação do setor privado como ator-chave em iniciativas como o SUN e o Nutrition for Growth, que atuam de maneira mais independente da agenda geral, mas, ao mesmo tempo, aproximam-se de iniciativas como a Década de Ação sobre a Nutrição e a Cúpula de Sistemas Alimentares sempre que seja conveniente, sem mecanismos aparentes de controle e manejo de conflitos de interesses.

Nesse contexto, merece também destaque o filantrocapitalismo, ou seja, uma espécie de filantropia que envolve entidades e abordagens capitalistas, baseadas no mercado e orientadas para lucros para resolver os grandes problemas globais, particularmente na nutrição, tem ganhado grande espaço na agenda, tanto associado a iniciativas como o SUN e o Nutrition for Growth, quanto diretamente junto aos países. Em sua lógica de economia liberal, os filantrocapitalistas colocam-se como solução para a miríade de problemas globais a partir da lógica do mercado de maximização do lucro, em que o mesmo princípio que ajudou aos bilionários a acumularem suas fortunas seria o mecanismo para redistribuir a riqueza entre os mais vulneráveis, maximizando o bem-estar social e a qualidade das políticas sociais. Ainda, a atuação do filantrocapitalismo normalmente envolve a coordenação e às vezes a própria 73 execução das intervenções pelas próprias instituições, se sobrepondo ao papel dos governos nacionais e ameaçando a soberania e a autonomia locais, enquanto aumentam o risco de descontinuidade das intervenções e replicam ciclos de dependência externa.

Novamente, essas iniciativas buscam promover a agricultura industrial, apoiada nas monoculturas de commodities e variedades agrícolas de interesse comercial e vinculada ao ultraprocessamento industrial de alimentos, em vez de promover a diversidade da dieta, a valorização da cultura alimentar e o estímulo à produção e consumo local, para discutir a implementação de sistemas circulares de produção de alimentos, com minimização dos insumos externos e redução dos impactos ambientais da produção. Dessa forma, buscam reforçar a premissa do aumento da produtividade da agricultura, distanciando-se das prioridades para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, da necessidade de aumentar a resiliência dos sistemas agroalimentares e de contribuir para a erradicação da fome e garantia de uma dieta diversificada e nutritiva para todos no mundo, trazendo, ainda, ameaças adicionais como o uso de agrotóxicos e suas consequências ao meio ambiente e à saúde humana, o aumento na oferta de produtos ultraprocessados, a redução da biodiversidade local e o aumento da dependência de sementes e insumos das grandes corporações.

Os registros da Década de Ação

De volta à Década de Ação sobre a Nutrição, fica muito evidente em uma rápida busca nos sítios eletrônicos da FAO, da OMS e do UN Nutrition que não há novos documentos oficiais ou notícias sobre a Década desde 2020, ou seja, o seu ponto de meio de caminho, exceto por atualizações em algumas das Redes de Ação, como as de Alimentação Escolar Sustentável, coordenada pelo Brasil, e de Alimentação Sustentável dos Oceanos e Águas Internas, coordenada pela Noruega.

Isso é muito preocupante, tendo em vista que se mostra a pertinência da preocupação com o esvaziamento da Década a partir de uma possível competição com a Cúpula de Sistemas Alimentares e com os próprios ODS, bem como um eventual abandono da agenda da Década pelos organismos internacionais.

Como outra possível consequência disso, a literatura cientifica também não traz novas publicações abordando a Década de Ação sobre a Nutrição desde 2020-2021, segundo uma rápida busca, não exaustiva, que realizamos em bases como o Pubmed e Scielo, reforçando nossa constatação anterior.

Nesse sentido, é interessante rever um dos últimos editoriais a respeito da Década de Ação na Revista Pan-Americana de Saúde, em 2020, como parte de uma série de artigos sobre a Década de Ação das Nações Unidas pela Nutrição (2016-2025), com foco em experiências do Brasil. O editorial em questão fazia uma avaliação de meio termo, assim como as potencialidades observadas e as grandes expectativas lançadas sobre a Década naquele momento (Mahy e Wijnhoven, 2020), trazendo, assim, um interessante e útil retrato do pensamento à época em relação aos cinco anos finais da Década.

O texto primeiramente reconheceu a forte liderança do Brasil, entre outros países, para a proclamação da Década de Ação das Nações Unidas sobre Nutrição. Esse reconhecimento é muito pertinente, visto que o Brasil se colocou como grande apoiador da Década e frequentes visitas dos coordenadores de nutrição da FAO e da OMS, com reuniões com representantes do governo brasileiro durante a sua proposição, levaram o país a ser o primeiro a propor metas 74 nacionais (tanto pelo Ministério da Saúde quanto pelo Ministério de Desenvolvimento Social) e estabelecer três das cinco Redes de Ação existentes.

Na avaliação dos autores, os esforços de defesa durante a primeira metade da Década da Nutrição sobre a importância da nutrição, dietas saudáveis e sistemas alimentares para a saúde humana e planetária tinham mostrado resultados positivos. Primeiramente, reforçaram o fortalecimento do reconhecimento das dietas não saudáveis e da má nutrição como fatores de risco chave para doenças e mortes globalmente, colocando a atenção global para o papel crítico de sistemas alimentares sustentáveis e resilientes para dietas saudáveis e uma nutrição melhorada. Nesse sentido, destacam que o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer a agroecologia e a biodiversidade, e a incorporar questões de sustentabilidade em suas inovadoras e holísticas diretrizes alimentares nacionais baseadas em alimentos, trazendo uma compreensão clara das intervenções eficazes a serem entregues pelos sistemas de saúde (ainda que, logo depois, a gestão federal desastrosa para as políticas sociais levou a um desmonte de muitas dessas políticas).

Ao mesmo tempo, destacaram outros avanços na reformulação voluntária ou obrigatória de produtos alimentares processados pelas indústrias de alimentos a partir de iniciativas coordenadas por governos nacionais, em processos nos quais cientistas romperam barreiras e trabalharam coletivamente em diferentes setores para oferecer modelos que melhor previssem o impacto das ações ou inações sobre a nutrição, projetassem soluções mais eficazes e inovadoras para enfrentar a má nutrição em todas as suas formas, e definissem métricas apropriadas para monitorar o progresso e garantir as responsabilidades.

Com isso, haveria um movimento coordenado em que nações, regiões, cidades e comunidades passaram a colaborar de novas maneiras para o que se chamou de “nova realidade da nutrição”, em que também as pessoas passaram a exigir transparência e urgência sobre as decisões que impactam sua dieta, sua saúde e seu ambiente.

O texto avaliou que, na primeira metade de implementação da Década de Ação, houve um progresso significativo na geração de compromissos e novos financiamentos para a nutrição por vários países. Por exemplo, o Brasil foi destacado como o primeiro país a submeter formalmente compromissos específicos sob a Década de Ação sobre a Nutrição, focando-se em reverter a tendência crescente de obesidade adulta, reduzir o consumo de bebidas adoçadas com açúcar e aumentar o consumo de frutas e vegetais, trazendo a Estratégia Intersetorial Brasileira para Prevenir e Controlar a Obesidade como um quadro estratégico para trabalhar nesses compromissos. Também, o Equador submeteu formalmente compromissos, entre outros, relacionados a políticas fiscais sobre bebidas adoçadas com açúcar, amamentação e cuidados pré-natais, com o objetivo de enfrentar todas as formas de má nutrição ao longo do ciclo de vida e gerar ações que abordem os determinantes da saúde e nutrição. Logo depois, a Itália foi o terceiro país a se comprometer a criar um grupo de trabalho nacional com uma composição multissetorial e multipartidária para avançar a agenda nacional de nutrição.

Os autores também enfatizaram as Redes de Ação como mecanismos para incentivar e apoiar os países na colaboração e alinhamento das ações de nutrição, na forma de coalizões informais de países que se concentravam em uma área específica relacionada à nutrição, com o objetivo de trocar conhecimentos e boas práticas, ilustrar sucessos e desafios, e fornecer apoio mútuo para acelerar o progresso em áreas específicas, com o objetivo final de melhorar os sistemas alimentares, dietas e nutrição para todos através da adoção de políticas e legislações coerentes.

Destacam, nesse contexto, as redes globais estabelecidas em temas como alimentos sustentáveis dos oceanos e águas interiores para segurança alimentar e nutrição (Noruega); rotulagem nutricional (França, Austrália e Chile); dietas tradicionais, saudáveis e sustentáveis (Itália); e na provisão de refeições escolares saudáveis (Alemanha), bem como várias redes regionais foram convocadas na Região das Américas, como as que são lideradas pelo Brasil em conjunto com outros países sobre a compra pública de alimentos produzidos por famílias, aquisição sustentável de alimentos para escolas, estratégias para reduzir o consumo de sal para a prevenção e controle de doenças cardiovasculares, e governança da segurança alimentar e nutricional.

Em sua reflexão final, o editorial reflete que, apesar desses desenvolvimentos positivos, observava-se um aumento da fome global (lembrando que ainda não haviam sido observadas as consequências devastadoras que a pandemia de Covid-19 traria), junto com a constatação da má nutrição em todas as suas formas já afetar pessoas em todo o mundo com padrões crescentes de desigualdade.

Portanto, mesmo diante de uma certa expectativa positiva, mostrava-se evidente que seria necessária uma aceleração dos esforços para garantir, entre outras coisas, que os sistemas alimentares fornecessem dietas saudáveis de maneira sustentável, que as ações relacionadas à nutrição fossem integradas aos sistemas de saúde nacionais e aos planos de cobertura universal de saúde, que os investimentos responsáveis na agricultura e nos alimentos fossem aumentados e que a coerência entre a política comercial e as ações de nutrição fosse garantida.

O texto, então, é finalizado expressando, nas palavras dos autores, que a revisão de meio-termo da Década da Nutrição seria uma excelente oportunidade para refletir, realinhar e reafirmar o compromisso, mais determinados e mais poderosos do que nunca, para avançar a agenda global de nutrição e garantir que, até 2025, o acesso a dietas saudáveis, seguras e acessíveis para todos, em todos os momentos, se torne uma realidade.

No entanto, os cinco anos finais da Década não corresponderam a essas expectativas e, em alguns indicadores ligados aos ODS, observou-se inclusive uma piora em relação aos níveis pré-pandêmicos, assim como uma recuperação desigual das regiões do mundo, deixando particularmente a África para trás. A agenda da Década de Ação no Brasil No Brasil, os compromissos para a Década foram espelhados daqueles existentes nos Planos Nacionais de Saúde e de Segurança Alimentar e Nutricional e nas metas nacionais para o enfrentamento de DCNTs vigentes à época, de modo que continuaram vigorando mesmo com o monitoramento pouco efetivo, normalmente restrito aos momentos de pedidos de informações aos países.

Acrescente-se que, a partir de 2019, com o desmonte e fragilização de políticas de segurança alimentar e nutricional, somados à crise econômica e pandemia de Covid- 19, houve pouca prioridade à agenda seja no âmbito dos ministérios ou da presidência. Enquanto isso, após o ponto de meio de caminho da Década, a percepção geral foi de que as Redes de Ação também tiveram pouca movimentação, devido à baixa prioridade à agenda e às dificuldades postas pela pandemia, bem como do insucesso de estabelecer plataformas virtuais para o compartilhamento de documentação e experiências para facilitar e apoiar o intercâmbio entre os países da região das Américas com o apoio da Opas.

No âmbito das redes sob responsabilidade do Ministério da Saúde, é possível que, mesmo diante das dificuldades, a Rede de Guias Alimentares Baseados em Alimentos possivelmente tenha ajudado a influenciar a revisão de guias alimentares de alguns países para que passassem da abordagem de nutrientes para a de alimentos e até de sistemas alimentares, com o apoio particularmente da Opas e da FAO, ainda que seus objetivos iniciais não fossem alcançados de modo geral.

Da mesma maneira, a Rede de Redução de Consumo de Sal, idealizada como uma possível continuidade do Grupo Técnico Assessor da Opas para a agenda, durante os anos seguintes à avaliação de meio de caminho, apresentou as mesmas dificuldades de realizar reuniões, de fornecer uma plataforma de informações e experiências e de manter a prioridade política para a agenda em muitos dos países, assim como de promover o avanço naqueles que não haviam iniciado essas políticas. Enquanto isso, a rede sobre a alimentação escolar ainda se manteve um pouco mais ativa, de modo indireto, em função da atuação da FAO e do WFP na promoção da cooperação sul-sul na agenda, sendo a única rede regional que conseguiu estabelecer e manter uma plataforma de compartilhamento de informações entre os países.

Como resultado, salvo por algumas reuniões esparsas entre grupos menores de países, as redes não lograram a manutenção do movimento inicial, inclusive dentro dos ministérios, nos quais as últimas notícias sobre a Década de Ação também foram publicadas até 2020, por ocasião do meio termo da iniciativa.

Conclusão Chegamos próximo à AGNU com uma expectativa no tocante ao que será apresentado em relação ao ano de encerramento da Década de Ação sobre a Nutrição e com uma impressão de que a Década talvez tenha se resumido a seus primeiros cinco anos e que suas proposições não tenham se sustentado diante da competição com outras iniciativas afins, como a Cúpula de Sistemas Alimentares, da deterioração da SAN global, das crises econômicas e políticas nacionais e das consequências da pandemia de Covid-19.

Além disso, é possível especular que o enfraquecimento do apoio e incentivo pela FAO, pela OMS e pelo UN Nutrition em particular aos países coordenadores e suas redes de ação também tenham deixado as iniciativas como estas sujeitas às crises locais e regionais, com raras exceções, representando descontinuidades e fragilização das ações. Além disso, é perceptível que mesmo o setor privado aparentemente deixou de lado o interesse pela Década de Ação depois de 2020, direcionando seus esforços para integrar-se à Cúpula de Sistemas Alimentares e fortalecer-se no contexto do Scaling Up Nutrition e do Nutrition for Growth.

Naturalmente, as informações trazidas neste informe expressam percepções e opiniões a partir do acompanhamento e observação da agenda da Década de Ação pelos autores, em alguns momentos direta e, em outros, indireta, somados à falta de documentação e registro oficial particularmente desde 2020, seja por governos ou pelos organismos. Portanto, é possível que, a partir da demanda das Nações Unidas aos países para a preparação do relatório oficial da Década de Ação, venham novas informações sobre as ações desenvolvidas, trazendo com mais clareza possíveis avanços e legados e, principalmente, tudo que faltou ser alcançado entre 2016 e 2025 e precisa ser redistribuído entre os outros mecanismos de incentivo e implementação vigentes, bem como entre os atores globais envolvidos.

Independentemente disso, fica suficientemente claro que a Década de Ação das Nações Unidas sobre a Nutrição infelizmente perdeu seu fôlego no meio do caminho e não conseguiu se recuperar posteriormente. Enquanto isso, a necessidade de priorização das agendas e compromissos da nutrição global permanece muito evidente e será fundamental apontar claramente novas responsabilidades em relação à Cúpula de Sistemas Alimentares e aos ODS, incorporando os aprendizados da Década, como a importância da atuação permanente dos organismos junto aos países para a manutenção do momentum e dos potenciais efeitos negativos de uma fragmentação da agenda de nutrição que foram observados.

Referências

FAO/IFAD/UNICEF/WFP/WHO. The State of Food Security and Nutrition in the World 2024 – Financing to end hunger, food insecurity and malnutrition in all its forms. [s.l: s.n.].

Disponível em: . FIAN. REPORT – Corporate Capture of FAO: Industry’s Deepening Influence on Global Food Governance. [s.l: s.n.]. Disponível em: .

Acesso em: 30 dez. 2022. FOOD AND AGRICULTURE ORGANISATION OF THE UNITED NATIONS. Second International Conference on Nutrition. Conference Outcome Document: Rome Declaration of NutritionICN2 2014/2. Anais…2014

Disponível em: MAHY, L.; WIJNHOVEN, T. Is the Decade of Action on Nutrition (2016-2025) leaving a footprint? Taking stock and looking ahead. Pan American Journal of Public Health, v. 44, p. e73, 2020. NUTRITION FOR GROWTH. Nutrition for Growth. SCALING UP NUTRITION. Scaling Up Nutrition.

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