Quais são as perspectivas da segurança alimentar e nutricional global para 2025?
Eduardo Nilson
Denise Oliveira e Silva
Resumo: Nesse informe, refletiremos sobre a agenda global de segurança alimentar e nutricional global em 2025, considerando a continuidade dos compromissos internacionais e suas potencialidades e riscos diante das mudanças na conjuntura geopolítica mundial e como isso se reflete no Brasil e suas políticas. Nesse ano, teremos oportunidades como a Cúpula de Sistemas Alimentares +4 na Etiópia e a COP 30 no Brasil, mas diferentes riscos como o aumento dos fenômenos climáticos extremos e a nova administração Trump ameaçam a segurança alimentar e nutricional global.
O ano de 2025 começa novas e velhas esperanças e promessas na agenda de segurança alimentar e nutricional (SAN), assim como novos e velhos desafios e ameaças. O desafio da eliminação da fome no mundo continua atual e cada vez mais relacionado à transformação dos sistemas alimentares globais. Enquanto isso, continuam a ser fortalecidos os diagnósticos no nível global ao subnacional, bem como seu histórico e projeções. Nunca tivemos tanta informação de qualidade, mas nunca tivemos tanta desinformação.
Os compromissos internacionais continuam sendo um chamamento para as agendas relacionadas aos direitos humanos em particular relacionando cada vez mais a saúde humana e a saúde planetária. E os alimentos têm um papel central por meio dos sistemas alimentares, desde a sua produção e processamento até sua distribuição e consumo, com o enfrentamento desigual dos sistemas hegemônicos com os sistemas transformadores.
Nesse meio, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são mais atuais e necessários do que nunca e movimentos como a Cúpula de Sistemas Alimentares buscam integrar mais fortemente essa agenda com o papel dos alimentos. Contudo, o final um tanto melancólico e desanimador da Década de Ação sobre a Nutrição não deixa de ser um alerta sobre o risco da fragmentação dos compromissos globais.
Lembrando o contexto atual da nutrição, saúde e ambiente em nível global, continuamos com a dupla carga da má nutrição, representada pela continuidade da desnutrição e de outras carências nutricionais junto com o aumento da obesidade e das outras doenças crônicas não-transmissíveis, que se alia às mudanças climáticas para criar uma sindemia global sem precedentes, que chama para a transformação dos sistemas alimentares.
Nesse sentido, a COP 30, em Belém, no Brasil, por sua vez, traz uma expectativa enorme de avançar sobre tópicos que não foram abordados em cúpulas anteriores, trazendo uma grande responsabilidade para o Brasil como anfitrião que deve, ao mesmo tempo, ser modelo nas agendas. Para os mais esperançosos, a COP 30 tem o potencial de ser um momento marcante para a agenda dos sistemas alimentares, especialmente considerando sua localização na Amazônia e o crescente reconhecimento da necessidade de transformar os sistemas alimentares para enfrentar as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a insegurança alimentar. Por outro lado, o caminho para os avanços necessários (e que não teve êxito nas COPs anteriores), incluem a construção de forte vontade política, do aumento de financiamento e de esforços colaborativos entre setores e partes interessadas.
Em relação ao papel do Brasil, também há grande expectativa sobre a implementação da Aliança Global contra a Fome, que foi um dos principais marcos da presidência brasileira do G20, agora nas mãos da África do Sul. Ainda que a Aliança tenha sido desenhada para operar junto ao bloco, mas com governança própria, a manutenção de sua prioridade, que se expressam em compromissos e financiamento, depende diretamente das lideranças do bloco.
Ao mesmo tempo, o impacto das mudanças climáticas está cada vez mais presente nos sistemas alimentares e sentido no cotidiano das populações, a exemplo do impacto nos preços de produtos como o azeite de oliva e do café, mas que ameaçam cada vez mais alimentos básicos. Nesse mesmo contexto, vemos, ainda, um aumento das migrações forçadas de populações em virtude das mudanças climáticas, trazendo como uma causa e consequência a insegurança alimentar e nutricional.
Para completar, é inevitável comentar sobre a nova presidência de Donald Trump, nos Estados Unidos da América, que pode ameaçar significativamente as agendas globais de SAN e saúde, bem como de sistemas alimentares, por meio de guerras comerciais, enfraquecimento do multilateralismo (em especial em relação às Nações Unidas e seus organismos), negacionismo e desinformação, desregulação, autoritarismo e poder político por oligopólios, entre outros riscos.
Diante desse cenário, está crescentemente desafiador trabalhar sobre os mecanismos para a transformação dos sistemas alimentares, de forma a priorizar sua saudabilidade, sustentabilidade, inclusão e resiliência, equilibrando o mundo globalizado e urbanizado com a necessidade de soluções predominantemente locais.
Os compromissos internacionais de SAN e sistemas alimentares O ano de 2025 é chave para os principais compromissos globais nas agendas de alimentação, nutrição e agenda climática, como os ODS, a Década de Ação Sobre a Nutrição e a Cúpula de Sistemas Alimentares, em que persistem as e de governança, principalmente em relação aos espaços de participação da sociedade civil e prevenção e manejo de conflitos de interesses em relação à participação de entes privados, bem como o risco de fragmentação da agenda pela falta de articulação entre esses compromissos.
Com seus compromissos mais amplos, os ODS são objeto de grande preocupação, particularmente no campo dos indicadores relacionados à segurança alimentar e nutricional, na medida em que o monitoramento do avanço de suas metas mostra avanços pouco expressivos em alguns e mesmo a continuidade de retrocesso em outras. Não é novidade que a recuperação pós pandemia em relação à redução da fome tem sido desigual entre as diferentes regiões do mundo e insuficiente global e regionalmente (FAO/IFAD/UNICEF/WFP/WHO, 2024). Como resultado, mantidas as atuais tendências, poucos ODS relacionados à nutrição e saúde que poderão ser alcançados em 2030.
No caso da América Latina e o Caribe, por exemplo, o monitoramento dos indicadores de segurança alimentar e nutricional no relatório “Panorama Regional de Segurança Alimentar e Nutrição 2024” mostram uma redução da fome e a insegurança alimentar por dois anos consecutivos na região, atribuída a programas de proteção social e esforços de recuperação pósCOVID (FAO, FIDA, OPS, PMA, 2025). No entanto, persistem desigualdades significativas, que afetam especialmente as mulheres, as populações rurais e os grupos vulneráveis, estando o Caribe mais fortemente afetado. Além disso, a exemplo do resto do mundo, a região não alcançará a maioria dos objetivos de nutrição, e as dietas saudáveis continuam sendo as mais caras em comparação com outras regiões.
Outro ponto de grande relevância desse mesmo relatório foi o destaque à análise dos potenciais impactos da variabilidade climática e os fenômenos climáticos extremos na segurança alimentar e nutricional, considerando a disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade dos alimentos e sua produção. Nesse sentido, o documento reforça que esses fenômenos reduzem a produtividade agrícola, interrompem as cadeias de abastecimento e aumentam os preços dos alimentos e que as populações vulneráveis são as mais afetadas e os hábitos alimentares também mudam. Em outras palavras, a variabilidade climática e os fenômenos climáticos extremos já impactam e no futuro poderão impactar ainda mais negativamente todas as dimensões da segurança alimentar e nutricional, agravando a insegurança alimentar e nutricional e reforçando as causas da má nutrição.
Para além da fome e desnutrição, é importante destacar que o cenário de dupla carga da má nutrição se intensifica ainda mais, principalmente em regiões do mundo como a América Latina e Caribe, Sudeste da Ásia e África. Com isso, observa-se globalmente um aumento gradual das prevalências de obesidade e das doenças crônicas não-transmissíveis (DCNTs) relacionadas à alimentação inadequada, como cânceres, doenças cardiovasculares, diabetes e outras, continuam aumentando a cada ano globalmente (World Health Organization (WHO), 2024).
Tornando esse cenário ainda mais complexo, não se pode esquecer, ainda, da relação entre a dupla carga da má nutrição com as consequências negativas dos sistemas alimentares hegemônicos sobre o meio ambiente, na forma da sindemia global de desnutrição, obesidade e mudanças climáticas (Swinburn et al., 2019).
Em continuidade à discussão desses grandes compromissos globais, 2025 marca o término da Década de Ação das Nações Unidas sobre a Nutrição, cujas ações reforçaram, nos últimos anos, questões da atuação intersetorial mediante a cooperação para o desenvolvimento industrial, o fortalecimento do papel das mulheres no desenvolvimento, o desenvolvimento de recursos humanos, a erradicação da pobreza rural e outras prioridades.
Por outro lado, nos últimos anos observa-se um enfraquecimento gradual da Década de Ação diante dos outros compromissos na agenda de alimentação e nutrição, de modo que suas principais ações concentraram-se em sua primeira metade e sua relevância para os atores globais não conseguiu se sustentar diante da competição com outras iniciativas afins, como a Cúpula de Sistemas Alimentares, nem de responder adequadamente à deterioração da SAN global e sua relação com as crises econômicas e políticas nacionais e as consequências da pandemia de Covid-19 e das mudanças climáticas. Nesse cenário, pôde-se observar um gradual enfraquecimento do apoio e incentivo pela FAO, pela OMS e pelo UN Nutrition à Década e a suas iniciativas, como as redes de ação, assim como o direcionamento do interesse do setor privado para a Cúpula de Sistemas Alimentares e fortalecer-se no contexto de outras iniciativas mais permeáveis e menos críticas à participação privada, como o Scaling Up Nutrition e o Nutrition for Growth, principalmente depois de 2020.
Portanto, diante da falta de manifestação inclusive dos organismos que coordenavam a Década de Ação para a Nutrição, OMS e FAO, em relação ao ano final da iniciativa, infelizmente temos uma despedida melancólica, possivelmente acompanhada de documentos de monitoramento e encaminhando a continuidade da agenda para os demais compromissos.
Ainda como marco na agenda de segurança alimentar e nutricional global em 2025, figura o balanço dos 4 primeiros anos da Cúpula de Sistemas Alimentares (“UN Food Systems Summit +4 Stocktaking Moment”), em Adis Abeba, na Etiópia, durante o mês de julho, como um de seus compromissos de gestão, por meio de uma reunião global de balanço a cada dois anos para revisar o progresso na implementação dos resultados deste processo e suas contribuições para o alcance da Agenda 2030.
Segundo seu núcleo de coordenação, a Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU de 2021 (cuja sigla é UNFSS, em inglês), teria marcado uma nova narrativa para sistemas alimentares sustentáveis como uma alavanca fundamental para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e, apesar do progresso lento, tem catalisado um impulso considerável nos países e em seu no ecossistema de apoio para colocar em movimento as transformações necessárias até 2030. (United Nations Food Systems Coordination Hub, 2025).
No primeiro momento de balanço (UNFSS+2), buscou-se manter a prioridade aos sistemas alimentares junto aos governos nacionais e manter e acelerar nessa agenda rumo a sistemas alimentares sustentáveis, inclusivos e resilientes que beneficiem igualmente as pessoas, o planeta e a prosperidade compartilhada. Esse chamado à ação comprometeu, ainda, o sistema da ONU a modelar coletivamente uma nova forma de trabalhar a serviço das transformações dos sistemas alimentares lideradas pelos governos e foi reiterado em outros compromissos internacionais, como a Declaração Política do Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável (HLPF) de 2023, a Cúpula dos ODS de 2023 e a Declaração da COP28 sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática, buscando acelerar a integração da agricultura e dos sistemas alimentares na ação climática e, simultaneamente, a incorporar a ação climática nas agendas políticas e ações relacionadas à agricultura e aos sistemas alimentares.
Dentre as prioridades do chamado à ação da UNFSS+2, destacaram-se:
• Incorporar estratégias de sistemas alimentares em todas as políticas nacionais para o desenvolvimento sustentável, para os meios de subsistência, nutrição e saúde das pessoas, para o crescimento econômico, ação climática e natureza, e para abordar perdas pós-colheita, sem deixar ninguém para trás.
• Estabelecer governança de sistemas alimentares que envolva todos os setores e partes interessadas para uma abordagem de toda a sociedade, combinando abordagens de curto e longo prazos.
• Investir em capacidades de pesquisa, dados, inovação e tecnologia, incluindo conexões mais fortes com ciência, experiência e expertise.
• Aprofundar o desenho e a implementação participativos e integrados, incluindo mulheres, jovens e povos indígenas no nível local, com compartilhamento de conhecimento, programação intersetorial, parcerias multissetoriais, ações baseadas no contexto e no local, produção mais forte e diversificada, e responsabilidade mútua.
• Promover maior engajamento das empresas, inclusive por meio de parcerias públicoprivadas, para moldar a sustentabilidade dos sistemas alimentares e estabelecer e fortalecer mecanismos de responsabilização, reconhecendo sua centralidade para os sistemas alimentares.
• Garantir acesso a financiamento concessionário de curto e longo prazo, investimentos, apoio orçamentário e reestruturação da dívida.
Contudo, ainda segundo o núcleo de coordenação da Cúpula, desde então, o contexto global para a transformação dos sistemas alimentares tem apresentado grandes desafios, como o conflito contínuo na Ucrânia, no Sudão e, mais recentemente, no Oriente Médio, intensificando as preocupações com a segurança alimentar, de saúde e nutricional, destacando a urgência de sistemas alimentares resilientes. A isso se somam as dificuldades em garantir investimentos no fortalecimento e na transformação dos sistemas alimentares, exigindo mudanças transformadoras a partir de interseções, interdependências e convergências dos sistemas alimentares com finanças, energia, nutrição, ação climática, biodiversidade, degradação do solo e meios de subsistência rurais.
Assim, para dar continuidade aos compromissos de 2023 e enfrentar o contexto atual da agenda de sistemas alimentares, o Chamado à Ação do Secretário-Geral (SG) traz, no âmbito da UNFSS+4, os seguintes objetivos gerais:
1. Documentar e avaliar o progresso da agenda: acompanhar e relatar os avanços na implementação das transformações dos sistemas alimentares, com foco em abordagens integradas e colaborações intersetoriais.
2. Fortalecer a responsabilização: reforçar mecanismos de transparência e prestação de contas para garantir que os compromissos assumidos sejam cumpridos e que os resultados sejam mensuráveis.
3. Investir em transformações sustentáveis: mobilizar recursos financeiros e técnicos para apoiar iniciativas que promovam sistemas alimentares resilientes, inclusivos e sustentáveis.
4. Acelerar a ação: identificar e superar barreiras para acelerar a implementação de mudanças transformadoras nos sistemas alimentares, alinhadas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
5. Promover abordagens de “todo o governo”: incentivar a coordenação entre diferentes ministérios e níveis de governo para garantir uma abordagem holística e coerente para a transformação dos sistemas alimentares.
6. Engajar múltiplas partes interessadas: fortalecer a participação de atores diversos, incluindo setor privado, sociedade civil, comunidades locais e grupos vulneráveis, para garantir que as transformações sejam inclusivas e equitativas.
Por fim, segundo a coordenação da Cúpula, esses objetivos visam consolidar os avanços alcançados até o momento e direcionar esforços para enfrentar os desafios emergentes, garantindo que os sistemas alimentares globais se tornem mais resilientes, sustentáveis e capazes de atender às necessidades de todas as pessoas, do planeta e da prosperidade compartilhada.
Diante dessa mensagem oficial, vale destacar que inúmeras organizações globais também trabalham no monitoramento independente dos indicadores da Cúpula de Sistemas Alimentares no contexto dos ODS, incluindo o Food Systems Countdown Initiative. Em reu último relatório, essa iniciativa analisa as mudanças nos valores dos indicadores de 2000 a 2014, mostrando a direção e o ritmo do progresso dos resultados desejados (Food Systems Countdown Initiative, 2025).
A iniciativa monitora indicadores em cinco grandes temas, totalizando 42 indicadores:
1. Dietas, nutrição e saúde, que compreende:
• Acesso à água potável.
• Consumo de todos os cinco grupos alimentares.
• População que não pode pagar por uma dieta saudável.
• Custo de uma dieta saudável.
• População que enfrenta insegurança alimentar moderada ou grave.
• Disponibilidade de frutas e vegetais.
• Diversidade alimentar mínima para mulheres e para crianças pequenas.
• NCD-Protect: Pontuação média dos adultos em um indicador de práticas alimentares protetoras contra doenças crônicas não transmissíveis, como consumir fibras suficientes.
• NCD-Risk: Pontuação média dos adultos em um indicador de práticas alimentares que aumentam o risco de doenças crônicas não transmissíveis, como consumir muito açúcar.
• Prevalência de subnutrição.
• Consumo de refrigerantes.
• Vendas de alimentos ultraprocessados.
• Consumo zero de frutas ou vegetais.
2- Ambiente, recursos naturais e produção, que inclui:
• Retirada de água para agricultura.
• Mudança na área de terras cultiváveis.
• Intensidade das emissões de gases de efeito estufa, por grupo de produtos.
• Índice de Saúde das Pescarias.
• Emissões de gases de efeito estufa dos sistemas alimentares.
• Função do ecossistema agrícola.
• Uso de pesticidas.
• Eficiência no uso de nitrogênio.
• Rendimento dos produtos alimentares, por grupo alimentar.
3. Meios de subsistência, pobreza e equidade, contemplando:
• Trabalho infantil.
• Mulheres proprietárias de terras.
• Proteção social.
• Desemprego e subemprego rural.
4. Governança, que inclui:
• Acesso público à informação.
• Responsabilização.
• Participação da sociedade civil.
• Capacidade de segurança alimentar.
• Reconhecimento do direito à alimentação.
• Estratégias (caminhos ou pathways) nacionais para a transformação dos sistemas
alimentares.
5. Resiliência, que engloba indicadores de:
• Diversidade.
• Capital social.
• Volatilidade dos preços dos alimentos.
De modo geral, a análise é relativamente otimista, na medida em que quase metade (20 dos 42 indicadores com tendências temporais examinados) tem apresentado tendência de melhora, globalmente, englobando indicadores em todos os cinco temas. Segundo esse relatório, por exemplo, o acesso à água potável, que é essencial para a segurança alimentar e nutricional e para manter os alimentos seguros, aumentou significativamente em todas as regiões, e, em média, os sistemas de produção da maioria das regiões tornaram-se mais eficientes no uso de nitrogênio, o que significa menos desperdício e menor poluição ambiental.
No entanto, 7 de seus 42 indicadores pioraram significativamente em nível global no mesmo período. Por exemplo, a volatilidade dos preços dos alimentos aumentou, sugerindo preços menos estáveis diante de choques nos sistemas alimentares, e a responsabilização governamental diminuiu, indicando que a governança pode não estar à altura do desafio de apoiar a transformação dos sistemas alimentares. Por fim, para 15 indicadores, não houve mudança significativa, apesar da necessidade de progresso constante para atingir metas globais importantes.
Além dos indicadores isolados, o relatório também examina as interações dentro e entre os 50 indicadores da contagem regressiva. As interações são críticas porque mudanças (ou a falta delas) em um indicador podem causar (ou bloquear) mudanças em outros, complicando a tomada de decisões e gerando trade-offs entre objetivos, bem como consequências não intencionais das ações.
A partir dessas análises, os especialistas que participam da iniciativa constataram que a maioria dos indicadores tem interações teóricas com outros indicadores, sendo algumas diretas e outras, indiretas, operando por meio de indicadores intermediários. Por exemplo, os indicadores de governança e resiliência mostram o maior número de conexões com outros temas, refletindo sua importância transversal para os resultados dos sistemas alimentares. Dado que mudanças nessas áreas podem afetar muitos outros indicadores, os formuladores de políticas devem priorizar ações para direcioná-las em direções desejáveis. Outros indicadores, como a qualidade da dieta e a volatilidade dos preços dos alimentos, têm muitos fatores contribuintes; para esses indicadores, alcançar mudanças requer ações coordenadas substanciais entre setores e atores. Esses indicadores devem ser um foco central dos esforços para melhorar a coerência das políticas.
Em suma, o relatório da contagem regressiva dos sistemas alimentares para o ano de 2024 conclui que o progresso em direção à transformação dos sistemas alimentares está ocorrendo e que os formuladores de políticas devem reforçar esse progresso onde ele ocorreu e redirecionar esforços onde ele não ocorreu, mantendo-se conscientes de que cada elemento do sistema alimentar interage com outros elementos. Com isso, o progresso requer uma abordagem holística que aproveite essas interconexões para impulsionar mudanças transformadoras.
Nesse conjunto de iniciativas e compromissos, não podemos deixar de destacar o resultado do protagonismo brasileiro na agenda internacional de segurança alimentar e nutricional por meio da presidência do G20 em 2024, que colocou em prioridade que a presidência brasileira tem dado ao enfrentamento da fome, da pobreza e das desigualdades por meio da criação e aprovação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. O Brasil fez um chamamento aos líderes globais para priorizar políticas públicas baseadas em direitos, reconhecendo a interconexão da saúde, da educação, da agricultura, da renda e de outras políticas e buscando modelos de governança participativa para que a sociedade civil possa atuar, aliando ações emergenciais imediatas com políticas estruturantes para interromper a transmissão intergeracional da pobreza, assim como demonstrou a experiência brasileira antes do desmonte das políticas sociais e que ora estão sendo reconstruídas e ampliadas.
Ao final de 2024, foi criada a plataforma para a Aliança que reúne, além de 82 países oficialmente aderidos à iniciativa, a União Africana, a União Europeia, bancos internacionais e organizações da sociedade civil.
Em termos técnicos, vale destacar o forte alinhamento com o policy brief intitulado “Caminhos das políticas para o enfrentamento global da pobreza e da fome” (Policy Pathways for Tackling Global Poverty and Hunger), produzido pela Fiocruz e aprovado pelo T20 Brasil, tendo como fundamentos a autonomia dos países e a base em experiências bem-sucedidas já implementadas, de caráter emergencial e estruturante (Silva et al., 2024). No policy brief, destaca-se que acabar com a pobreza e a fome deve ser uma prioridade global para as organizações internacionais e para todos os governos, para que os compromissos existentes e futuros sejam plenamente apoiados e continuados e que o alívio da fome requer respostas imediatas, mas acabar com a fome exige mudanças estruturais, baseadas políticas de múltiplos setores.
Espera-se, portanto que na atual presidência da África do Sul, os líderes do G20 e as agências da ONU expandam e reforcem seu compromisso com a Aliança Global e utilizem esse mecanismo poderoso para articular governos nacionais, agências da ONU, sociedade civil e outros atores-chave para a eliminação da fome no mundo.
Possibilidades da COP 30 no Brasil sobre os sistemas alimentares A reunião da COP 30 em 2025, que será realizada em Belém, Brasil, apresenta uma oportunidade única para avançar a agenda dos sistemas alimentares no âmbito do quadro global de mudanças climáticas. Como a primeira COP sediada na região amazônica, o evento provavelmente enfatizará o papel crítico dos sistemas alimentares na ação climática, na conservação da biodiversidade e no desenvolvimento sustentável e traz uma grande responsabilidade de avançar no estabelecimento de compromissos que não foram alcançados nas cúpulas que a precederam.
Uma primeira perspectiva da COP 30 é promover a integração dos Sistemas Alimentares na Ação Climática. Para isso, A COP 30 deve reconhecer e integrar ainda mais os sistemas alimentares na agenda climática global, reconhecendo sua contribuição significativa para as emissões de gases de efeito estufa (estimadas em 25-30% das emissões globais) e seu potencial para mitigação e adaptação climática. Além disso, deve reforçar os Planos Nacionais de Clima, para que os países sejam incentivados a incluir transformações mais detalhadas dos sistemas alimentares em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), como a redução de emissões da agricultura, a promoção de dietas sustentáveis e a proteção de florestas e ecossistemas.
Em função da própria localização da COP 30, espera-se, ainda um foco na Amazônia e nas regiões tropicais. Nesse sentido, os temas de desmatamento e uso da terra devem ter destaque e o Brasil, como anfitrião, precisa priorizar discussões sobre o combate ao desmatamento e a promoção do uso sustentável da terra, especialmente na Amazônia, incluindo a abordagem da expansão da agricultura (por exemplo, soja e pecuária) em áreas florestais. Além disso, é fundamental incorporar o conhecimento e os direitos de povos indígenas, visto que o papel das comunidades indígenas na proteção das florestas e na gestão de sistemas alimentares sustentáveis é central e deve ser acompanhado do reconhecimento dos direitos à terra e das práticas tradicionais.
Outro tema central deve ser o da agricultura sustentável e resiliente, alinhada com a Cúpula de Sistemas alimentares, buscando promover a discussão e adoção de práticas agrícolas inteligentes para o clima (“climate smart”), como agroecologia, agricultura regenerativa e agricultura de precisão, para reduzir emissões de gases de efeito estufa e contaminantes, melhorar a saúde do solo e aumentar a resiliência a choques climáticos. Para tanto, é importante trabalhar no apoio aos pequenos agricultores, especialmente em países de baixos e médios rendimentos, por meio de acesso a financiamento, tecnologia e programas de capacitação.
Ainda no âmbito dos sistemas alimentares, é preciso incluir a discussão da transição para dietas sustentáveis, em que prioridade deve ser dada à promoção de dietas baseadas em plantas, reduzindo o consumo de carne e laticínios, para diminuir as emissões e melhorar a saúde pública, além da redução das perdas e desperdícios de alimentos, incluindo políticas e inovações para reduzir perdas e desperdícios em toda a cadeia de produção, processamento, distribuição e consumo de alimentos.
Para a implementação das mudanças necessárias, será imprescindível avançar no financiamento da transformação dos sistemas alimentares, principalmente em países de baixa renda, priorizando investimentos em agricultura sustentável, segurança alimentar e nutricional e adaptação climática. Para tanto, são propostos modelos de financiamento misto e aumento do engajamento do setor privado para os sistemas alimentares, contudo é fundamental incluir mecanismos de gerenciamento de conflitos de interesses nessas relações para que os interesses coletivos e ambientais sejam preservados e priorizados.
Espera-se, ainda, que a COP 30 possa trazer avanços no campo da governança da agenda de sistemas alimentares e ambiente. Por exemplo, o fortalecimento da governança e colaboração global pode beneficiar-se significativamente da cooperação multilateral, alinhamento com outras agendas (como outros quadros globais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal e os resultados da Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU). Os avanços na governança devem também prever espaços para o engajamento da juventude e da sociedade civil, incluindo grupos de agricultores, ONGs e defensores dos consumidores, para garantir resultados inclusivos e equitativos.
Junto com essas questões de governança, a COP 30 deve trazer amplamente a abordagem de equidade e justiça, pensando em mecanismos para uma transição justa nos sistemas alimentares, garantindo que populações vulneráveis, incluindo pequenos agricultores, comunidades indígenas e mulheres, não sejam deixadas para trás, assim como reforçando o direito humano à alimentação adequada e sua relação com a segurança alimentar e nutricional no contexto das mudanças climáticas, com foco em garantir o acesso a alimentos nutritivos e acessíveis para todos.
Por fim e não menos importante, todos os compromissos e ações precisam ser objeto de monitoramento e responsabilização, por meio do estabelecimento de mecanismos para monitorar e relatar o progresso dos compromissos dos sistemas alimentares, garantindo responsabilização e transparência. Nesse mesmo contexto, deve-se trabalhar para a coleta de dados aprimorada e o desenvolvimento de indicadores padronizados para o desempenho dos sistemas alimentares e sua relação com o clima.
Portanto, a COP 30, em 2025, tem o potencial de ser um marco para a agenda dos sistemas alimentares, especialmente devido à sua localização na Amazônia e ao crescente reconhecimento da necessidade de transformar os sistemas alimentares para enfrentar as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a insegurança alimentar e nutricional. As prioridades-chave provavelmente incluirão a integração dos sistemas alimentares na ação climática, a promoção da agricultura sustentável, a transição para dietas sustentáveis e a garantia de equidade e justiça. O sucesso dependerá de forte vontade política, aumento do financiamento e esforços colaborativos entre setores e partes interessadas e, se esses elementos se unirem, a COP 30 poderá catalisar um progresso significativo em direção a sistemas alimentares resilientes, sustentáveis e equitativos em todo o mundo.
Possíveis impactos da nova administração Trump para a SAN global Seria impossível analisar as perspectivas da agenda de SAN para 2025 sem incluir os impactos possíveis da volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos da América. Alguns impactos mais imediatos de suas medidas, como a retirada do país da OMS e o corte no financiamento de ações humanitárias tem fortes repercussões na agenda de SAN, desde a limitação do funcionamento de ações globais de saúde e nutrição até a ação de organizações locais em várias partes do mundo que atuam inclusive nas questões de insegurança alimentar e nutricional de populações mais vulneráveis. Ainda, em uma interface entre a OMS e a FAO, o próprio Codex Alimentarius pode sofrer repercussões com a ausência dos EUA na construção dos consensos internacionais na regulação de alimentos e nas consequências das guerras comerciais via Organização Mundial do Comércio.
Mesmo diretamente para a FAO, há um risco significativo de que uma nova administração Trump possa reduzir ou alterar a participação dos Estados Unidos na agenda da Organização, com base nas políticas e prioridades observadas durante seu primeiro mandato.
Aqui estão os principais fatores e riscos potenciais, especialmente em termos de financiamento, ação climática e liderança global. Em princípio, é possível que os EUA possam continuar a se
envolver seletivamente em áreas que estejam alinhadas com seus interesses, mas, ao mesmo tempo, criar um desengajamento mais amplo poderia enfraquecer a capacidade da FAO de enfrentar os desafios globais de segurança alimentar e agricultura sustentável.
Dentre alguns riscos específicos, podemos começar pela abordagem da política “America First, que certamente promoverá reduzido engajamento multilateral, priorizando ações unilaterais em vez de cooperação multilateral, e fortalecerá o foco em prioridades domésticas em detrimento dos esforços globais de segurança alimentar e nutricional regional e global.
Somado a isso, não se pode descartar a possibilidade de possíveis cortes de financiamento que cheguem também à FAO, lembrando que, a exemplo da OMS, os EUA são um dos maiores contribuintes da FAO, fornecendo financiamento crítico para seus programas. Lembrando, durante seu primeiro mandato, Trump propôs cortes significativos em organizações internacionais, incluindo aquelas focadas em segurança alimentar e desenvolvimento e isso poderia enfraquecer a capacidade da FAO de cumprir sua missão. Além disso, ainda no campo do financiamento, os EUA podem impor condições às suas contribuições, como exigir reformas ou priorizar programas que estejam alinhados com os interesses americanos (financiamento condicional), o que poderia perturbar a agenda da FAO. Com isso, pode haver um impacto inclusive na credibilidade e eficácia da FAO incluindo a erosão de sua confiança e a fragmentação dos esforços, principalmente no escopo da SAN.
No campo de todas as agendas de sistemas alimentares, há fortes riscos do impacto do ceticismo e negacionismo em relação às mudanças climáticas, podendo afetar o financiamento da ciência climática e a revogação de regulamentações ambientais, assim como a falta de apoio dos EUA a iniciativas da FAO focadas em adaptação e mitigação climática. Com isso, há risco de grande impacto nos esforços globais de sistemas alimentares, na medida em que um engajamento reduzido dos EUA em questões climáticas pode minar os esforços globais para construir sistemas alimentares resilientes, especialmente em regiões vulneráveis. Ao mesmo tempo, no próprio território dos EUA deve haver desincentivo à produção sustentável e resiliente, bem como possível aumento das emissões de gases de efeitos estufa e outros contaminantes, com consequências globais para o clima.
Da mesma maneira, é muito provável uma grande mudança em prioridades, incluindo o foco em ganhos de curto prazo em vez de investimentos de longo prazo em segurança alimentar nutricional e agricultura sustentável, que são centrais para a missão da FAO, e reduzido apoio a ações globais de nutrição e saúde.
Detalhando um pouco algo que já foi mencionado anteriormente, a nova presidência estadunidense pode certamente impactar as políticas comerciais e agrícolas, incluindo guerras comerciais e protecionismo, além do foco no agronegócio nos EUA. Esse conjunto de medidas mostra potencial conflito com os objetivos da FAO de promover comércio justo e sistemas alimentares estáveis e já se mostra na taxação de importações imediatamente respondida por taxação de produtos dos EUA pelo Canadá e México.
Junto a isso, há possibilidade de desregulamentação e influência do agronegócio, visto que as políticas nacionais defendidas pelo novo presidente favorecer grandes empresas do agronegócio em detrimento dos pequenos agricultores e das proteções ambientais. Com isso, há sérios riscos de aumento do uso de pesticidas e cultivos geneticamente modificados sem regulamentações rigorosas, levantando preocupações sobre segurança alimentar e nutricional e biodiversidade, de redução na fiscalização sobre a pecuária industrial, contribuindo para a resistência a antibióticos e riscos de doenças, e mesmo de enfraquecimento dos padrões de segurança alimentar, afetando tanto o comércio doméstico quanto internacional de alimentos.
O sistema alimentar global é interconectado, e as políticas dos EUA podem ter consequências de longo alcance. Restrições comerciais, reversões de políticas climáticas, escassez de mão de obra e cortes em ajuda alimentar podem contribuir para o aumento da insegurança alimentar e nutricional nos próprios EUA e em todo o mundo. Vale destacar, inclusive, que no mercado interno dos EUA, pode haver importante impacto das políticas de repressão à imigração e escassez de mão de obra sobre a SAN, visto que muitas fazendas nos EUA dependem fortemente de mão de obra migrante, especialmente na produção de frutas, vegetais e laticínios, com potenciais consequências no aumento dos custos de produção de alimentos, na redução da produção em setores agrícolas importantes que pode elevar os preços de determinados alimentos globalmente e em efeitos sobre o fornecimento de bens perecíveis, afetando tanto os mercados domésticos quanto internacionais.
Podemos, ainda, especular sobre as possíveis reações dos países e do mercado internacional diante das políticas específicas adotadas, rearranjando os sistemas alimentares globais por meio da reação das principais economias globais.
Por exemplo, a China foi fortemente impactada pelas guerras comerciais de Trump durante seu primeiro mandato, especialmente nas importações de soja, o que levou a uma maior diversificação de fontes. Nesse sentido, o país pode aumentar as importações agrícolas do Brasil, Argentina e Rússia para reduzir a dependência de soja, milho e trigo dos EUA, assim como acelerar reformas agrícolas domésticas e iniciativas de segurança alimentar, incluindo investimentos pesados em tecnologia agrícola e esforços de autossuficiência.
No âmbito da União Europeia (UE), que se se posicionou como líder em políticas alimentares sustentáveis, diante de possíveis tentativas e enfraquecer as regulamentações ambientais, a UE poderia impor padrões mais rigorosos de segurança alimentar e ambiental às importações dos EUA, potencialmente levando a disputas comerciais, reforçar o Acordo Verde Europeu para reduzir a dependência de importações dos EUA e impulsionar a produção doméstica de alimentos e expandir acordos comerciais com outros exportadores agrícolas (como Canadá, Austrália e nações africanas) para evitar a instabilidade do mercado americano.
Enquanto isso, é possível que grandes produtores de commodities como o Brasil e a Argentina ampliem sua participação no mercado global, expandindo as exportações para a China como alternativa à soja, carne bovina e milho dos EUA e aproveitando acordos comerciais com a UE e a Ásia para capturar mais participação no mercado global, assim como utilizando o mercado dos BRICS para isso, no caso do Brasil. Junto com esse possível benefício, porém, pode também se intensificar o aumento do desmatamento na Amazônia (no caso do Brasil) para expandir terras agrícolas, ampliando as preocupações ambientais relacionadas à monocultura de commodities.
Respostas a essa nova configuração global também devem vir da África, tendo em vista que muitas nações africanas dependem da ajuda alimentar e das exportações agrícolas dos EUA e da UE. Medidas dos EUA podem gerar a busca de novos parceiros comerciais e estratégias de SAN, como o aprofundamento de parcerias agrícolas com China, UE e Rússia, maiores investimentos na agricultura local para reduzir a dependência de importações e a busca de acordos comerciais regionais. É provável, contudo, que a insegurança alimentar e nutricional venha a aumentar em algumas regiões vulneráveis do continente em consequência da redução da ajuda externa e de impactos sobre o comércio com os EUA.
Conclusão
Começamos um novo ano reforçando que o tempo é curto para o alcance o de diversos compromissos internacionais na agenda de segurança alimentar e nutricional e no decorrer de 2025 devemos trazer novas informações e análises sobre a evolução dos indicadores globais e regionais. Continuamos entre esperanças e desafios, lembrando que temos muitas evidências, informações e análises que podem e devem orientar políticas em todos os níveis.
Enquanto a Década de Ação sobre a Nutrição termina esvaziada, grandes expectativas são colocadas sobre a Cúpula de Sistemas Alimentares e seu monitoramento de quatro anos de implementação, somadas às perspectivas positivas trazidas pelo protagonismo brasileiro nas agendas de SAN e meio ambiente, representadas pela Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, agora aprovada e em vias de implementação, e pela COP 30 que será realizada em território brasileiro e representa importante marco para fortalecer a articulação da agenda climática com
os sistemas alimentares.
Além dessas perspectivas e seus desafios próprios, o mundo, incluindo países e organismos internacionais, todo deve sentir as repercussões da nova gestão de Donald Trump na presidência dos EUA, particularmente no âmbito das agendas de SAN e de sistemas alimentares. Nesse sentido, há mais ameaças que oportunidades, visto que a saúde planetária está conectada, e o imediatismo, aliado ao negacionismo e nacionalismo, podem afetar a SAN global.
Falar da transformação dos sistemas alimentares globais é cada vez mais necessário e, ao mesmo tempo, mais complexo. Possivelmente seja o momento para uma nova ordem global a partir das agendas de SAN e o Brasil pode ter papel central nesse processo. E precisamos fazer nosso dever de casa. O país do guia alimentar mais avançado no mundo precisa fortalecer sua implementação, inclusive na indução das políticas. O país do Programa de Agricultura Familiar precisa colocar essa agenda em igualdade ou, de preferência, superioridade à agricultura comercial, priorizando a diversidade alimentar, baseada em alimentos locais e produzidos de forma saudável e sustentável. O país do maior programa de alimentação escolar precisa regular a venda de alimentos nas escolas e sua publicidade.
Referências
FAO, FIDA, OPS, PMA, U. América Latina y el Caribe – Panorama Regional de la Seguridad Alimentaria y la Nutrición 2024. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://doi.org/10.4060/cd3877es>.
FAO/IFAD/UNICEF/WFP/WHO. The State of Food Security and Nutrition in the World 2024 – Financing to end hunger, food insecurity and malnutrition in all its forms. [s.l: s.n.]. Disponível m:
<https://openknowledge.fao.org/items/18143951-4b0a-46d6-860b-0f8908745da1>.
FOOD SYSTEMS COUNTDOWN INITIATIVE. The food systems countdown report 2024: Tracking progress and managing interactions. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://doi.org/10.36072/fsci2024.>.
SILVA, D. O. E et al. G20 Brasil 2024 – Policy Pathways for Tackling Global Poverty and Hunger, 2024. Disponível em: <https://t20brasil.org/media/documentos/arquivos/TF01_ST01_POLICY_PATHWAYS_FOR66d75d784f9c6.pdf>
SWINBURN, B. A. et al. The Global Syndemic of Obesity, Undernutrition, and Climate Change: The Lancet Commission report. The Lancet, v. 393, n. 10173, p. 791–846, 2019.
UNITED NATIONS FOOD SYSTEMS COORDINATION HUB. Draft concept note: Shaping the path to UNFSS+4. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://www.unfoodsystemshub.org/latestupdates/news/detail/save-the-date-for-the-2nd-un-food-systems-summit-stocktaking-moment-(unfss4)/en>.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). World health statistics 2024: monitoring health for the SDGs, Sustainable Development Goals. Geneva, Switzerland: [s.n.]. Disponível em:
<https://www.who.int/publications/i/item/9789240094703>.