Entendendo as principais mudanças nos padrões alimentares, seus determinantes e consequências

Entrevista realizada com a professora Nathália Paula de Souza, que leciona no curso de nutrição e saúde coletiva do Centro Acadêmica de Vitória (UFPE), e o professor Pedro Israel Cabral de Lira, que leciona e desenvolve pesquisas no Departamento de Nutrição da UFPE. Os referidos pesquisadores fazem um alerta quanto a importância de investigar os padrões alimentares atuais e suas mudanças ao longo do tempo, assim como de compreender suas complexas configurações sociais, culturais, econômicas e políticas dentro de um contexto global de sindemia de desnutrição, obesidade e mudanças climáticas. Os pesquisadores trazem dados referentes ao estado de Pernambuco, destacando as principais mudanças na forma de comer e seus principais determinantes, bem como algumas estratégias para frear o impacto das mudanças negativas no consumo alimentar da população.

Entrevistadora: Laryssa Rebeca de Souza Melo
Pesquisadores/docentes entrevistados: Nathália Paula de Souza e Pedro Israel Cabral de Lira
Pesquisadores/docentes entrevistados: Nathália Paula de Souza e Pedro Israel Cabral de Lira





Pergunta: Em princípio, o que são padrões alimentares?

Resposta: É o conjunto de alimentos consumidos prioritariamente por uma dada população, recebendo influência de aspectos socioculturais, afetivos, econômicos e políticos.

P: Houve mudança nos padrões alimentares brasileiros?

R: Existe uma tendência de mudança no consumo de alimentos não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Observa-se então uma redução na compra e ingestão de alimentos saudáveis e tradicionais, ao mesmo tempo em que itens alimentares não saudáveis estão cada vez mais presentes na rotina das pessoas. Um dos aspectos marcantes é a redução no consumo de feijão e arroz, alimentos nutricionalmente complementares e tipicamente regionais. Por outro lado, as bebidas açucaradas, fast food e snacks assumem papel de destaque nas feiras das famílias. 

P: Qual a situação no estado de Pernambuco?

R: As mudanças nos padrões alimentares dos adultos residentes no estado de Pernambuco acompanharam o período de intensas mudanças nos indicadores sociais do país e da região nordeste. Entre os anos de 2006 e 2015/16 houve aumento importante da escolaridade e redução da inatividade física, tabagismo e uso abusivo de álcool. No entanto, o excesso de peso passou de 50,9% para 64,7% e a obesidade abdominal de 53% para 69,6%, de acordo com a tese de Nathália Paula de Souza. Os dados dessa pesquisa foram provenientes do Inquérito sobre doenças crônicas e agravos não transmissíveis realizado no ano de 2006 e 2015/16 no estado de Pernambuco, coordenado pelo pesquisador Pedro Israel Cabral de Lira. 

Na mesma tese também foi verificado que existiam 4 tipos predominantes de padrões alimentares entre adultos pernambucanos em 2006 e outros quatro padrões dez anos depois. Em 2006, a maior parte da população consumia os padrões alimentares Saudável (consumo predominante de frutas, vegetais, raízes e tubérculos) e Em transição (predominância de alimentos da dieta ocidentalizada como carnes processadas e do padrão Tradicional Regional). Uma parcela menor consumia os padrões Processado (rico em alimentos processados) e Tradicional Regional (predominância de alimentos tradicionais como feijão e arroz, além de alimentos regionais como açúcar e derivados).

Dez anos depois, em 2015/16 a maior parte dos adultos consumiam os padrões alimentares Duplo (rico em alimentos saudáveis e não saudáveis) e Ultraprocessado e uma parcela menor consumia os padrões Tradicional Regional e Saudável.

P: As mudanças nos padrões alimentares pernambucanos são concordantes ou discordantes do perfil nacional e mundial?

R: A partir dos dados descritos anteriormente, fica mais claro que as mudanças em Pernambuco também acompanham as tendências nacionais e mundiais, com uma acelerada redução na presença de alimentos saudáveis e regionais, mesmo se tratando de um país tropical e de uma área com potente vocação agrícola, apesar das adversidades climáticas. Por outro lado, os alimentos ultraprocessados estão entre os mais consumidos nos dois principais padrões alimentares encontrados em 2015/16.  

P: Além das mudanças no que se come, também é possível identificar outras modificações que impactam nos padrões de consumo alimentar? 

R: Sim. Também são notórias mudanças na forma como compramos, preparamos e como comemos esses alimentos. No geral, nos distanciamos do pequeno agricultor, das feiras livres e mercados públicos e optamos pelas grandes redes de supermercados. Estas, nos influenciam indiretamente a escolher produtos altamente processados, tendo em vista a vasta variedade dos mesmos e uso de estratégias de marketing. O preparo do alimento ficou em segundo plano, pois a rotina acelerada e o tempo extremamente curto para realizar as refeições tem conduzido a escolhas mais ‘práticas’ e que se adequem aos diversos ambientes e situações. A indústria de alimentos, por sua vez, se aproveita dessa nova demanda para elaborar produtos que atendam a necessidade desse público, muitas vezes com incentivos fiscais e desconsiderando os impactos na saúde. Soma-se a essa rotina extenuante o hábito de comer solitariamente, sem companhias, sem compartilhar prazerosamente esse momento com outras pessoas queridas. Até mesmo em momentos de lazer, a presença das telas tem disputado atenção com o próprio alimento, mesmo quando em torno de uma mesa. Todos estes comportamentos contribuem para consolidar hábitos sedentários e não saudáveis.

P: Quais os principais determinantes dessas mudanças na alimentação?

R: Certamente o processo de urbanização, melhoria da infraestrutura, aumento do emprego rural não agrícola e da renda, além da liberalização política podem ser considerados importantes condicionantes das transformações que vêm acontecendo no sistema alimentar, responsáveis pelo aumento alarmante da obesidade e doenças crônicas. Além disso, os padrões alimentares são fortemente determinados pelos aspectos demográficos e socioeconômicos de determinada época. Isto também foi identificado por Nathália de Souza, sendo que o padrão Saudável era consumido por quem tinha maior renda em 2006 e por quem tinha maior escolaridade em 2015/16. Os aspectos culturais, como aqueles relacionados a uma possível ascensão social, também devem ser considerados nesta rede de determinação e propulsão de mudanças.  

P: Quais as consequências dessas mudanças tão rápidas?

R: Os padrões alimentares deletérios para a saúde são considerados importantes fatores de risco para obesidade, hipertensão, diabetes, câncer e outros agravos crônicos, além de também estarem relacionados à desnutrição e impactos ambientais. Geralmente essas dietas são predominantes em alimentos ultraprocessados, carne em excesso e outros produtos resultantes da exploração irresponsável dos recursos naturais e humanos, além de gerarem emissão de gases poluentes em demasia. Além disso, os principais alimentos presentes nestes padrões alimentares são pobres em nutrientes, gerando déficits nutricionais e desequilíbrio metabólico. Neste sentido, as mudanças alimentares que se distanciam da comida de verdade, de boa qualidade e sem excessos geram impacto negativo em nível individual, familiar e de comunidade.

Vale ressaltar, que soma-se às mudanças na alimentação, o processo de urbanização, o sedentarismo, o estresse social, poluição do ar e sonora e outros aspectos da vida moderna que, direta e indiretamente também contribuem para essas transformações na forma de comer e nas escolhas alimentares. 

P: O que é possível fazer para enfrentar esse problema?

R: Recomenda-se a priorização de políticas estruturais com destaque para educação e renda, o estímulo a ambientes saudáveis e o fortalecimento de sistemas universais de saúde que assegurem o acesso e continuidade do cuidado. Além disso, em nível de governança faz-se necessário fortalecer os sistemas alimentares, de transporte, desenho urbano e uso do solo, de tal maneira que possam estimular escolhas saudáveis em nível de instituições, comunidades, domicílios e individual. Vale destacar que no contexto de uma sociedade desigual como a nossa, medidas de austeridade como a EC95/PEC55/PEC241 podem gerar riscos importantes no acesso aos serviços e nos resultados de saúde, principalmente de grupos mais vulneráveis.

No que tange às medidas em âmbito individual e de comunidade recomendamos priorizar a comida de verdade e evitar alimentos ultraprocessados; conhecer mais e transmitir habilidades e conhecimentos sobre a culinária tradicional; realizar preferencialmente compras e comer alimentos em locais que você saiba a procedência dos mesmos; preferir alimentos da época e comprá-los aos pequenos agricultores estimulando uma economia solidária e a produção de alimentos sem veneno. Outra dica é refletir sobre qual o espaço da alimentação na sua vida? Este questionamento também poderá estimular o planejamento de estratégias para comer sem pressa, desfrutar do prazer da alimentação e partilhar com outras pessoas queridas esse momento.

Referência principal: 

DE SOUZA, Nathália Paula. Hipertensão arterial no estado de Pernambuco: análise dos determinantes à luz da transição alimentar e nutricional em um contexto de desenvolvimento e desigualdade. 2019. Tese (doutorado em saúde pública) – Instituto Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, 2019.