Uso da Escala de Insegurança Alimentar (EBIA) nos Serviços de Atenção Básica de Saúde
Três meses após a notificação do primeiro caso de COVID – 19 no Brasil, anunciado em fevereiro pelo Ministério da Saúde, impactos da pandemia são sentidos na vida da população brasileira, especialmente entre a parcela mais vulnerável. Além de milhares de casos e mortes registradas, o país enfrenta a estagnação econômica e o quadro de grande instabilidade social agravado pelo aumento do desemprego.
Diariamente, a mídia noticia histórias, como as relatadas no projeto de blogs da UNICAMP, na qual um motorista de Uber afirma a sua certeza que se não morrer do vírus morrerá de fome. Assim, mesmo quem nunca passou por situações de insegurança alimentar (ISAN) ou de fome pode estar na iminência de viver essa experiência, o que pode comprometer o estado nutricional de uma parcela importante da população, debilitando o seu estado imunológico e tornando-a mais suscetível ao coronavírus e outras doenças. Além disso, a situação da falta de dinheiro e do que comer pode levar à depressão e à ansiedade, entre outros fatores. Essas consequências da INSAN recaem sobre o atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), intensificando a sobrecarga dos serviços de saúde em função da conjuntura da epidemia.
Diante deste cenário, além da importância do Estado promover políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional voltadas à população geral, é fundamental a atitude atenta dos profissionais de saúde, a partir da realização de ações de vigilância alimentar e nutricional, em particular direcionadas às populações mais vulneráveis à infecção pelo COVID-19 e suas complicações, como são as comunidades empobrecidas e o povo negro das periferias urbanas, além das comunidades tradicionais, sobretudo os quilombolas e os povos indígenas. As ações de vigilância devem ser aliadas a orientações e ações concretas de garantia de acesso à alimentação adequada e saudável, com incentivo ao aleitamento materno e ao consumo de alimentos in natura e minimamente processados, de acordo com as recomendações dos guias alimentares do Ministério da Saúde.
É importante também buscar a utilização de instrumentos que ofereçam suporte aos serviços de saúde e, também, os de assistência social, para o diagnóstico da INSAN, entre aqueles que voluntariamente ou, referidos por outros meios, demandam cuidados. A Escala Brasileira de Medida Direta da Segurança/Insegurança Alimentar (EBIA) preenche todos os requisitos. Essa escala, com 14 itens, adaptada e validada para o Brasil por pesquisadores brasileiros teve sua origem na escala norte americana. Embora, tenha sido aplicada principalmente em estudos populacionais, quer sejam de abrangência nacional, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), ou em investigações no âmbito de municípios e territórios específicos; a escala é considerada como boa opção para apoiar a atenção à saúde, principalmente os serviços de atenção básica, que precisam de recursos tecnológicos que sejam de fácil aplicação e baixo custo.
Recentemente foi feita análise da validade da EBIA, em uma versão curta, de 8 itens, mais facilmente aplicável em situação de assistência à na saúde nas UBS e mesmo em serviços da assistência social. Esse modelo da EBIA mostra-se muito útil e necessário, nesse momento da pandemia do COVID-19, porque sua utilização permitirá a identificação de pessoas em situação de INSAN e, consequentemente, o desenvolvimento de ações em tempo oportuno e imediato para o enfrentamento do problema no território. Pode-se dizer que o uso desse instrumento provê informação que qualifica a ação e ainda pode servir de base para o monitoramento da situação ao longo do tempo.
As escalas que medem a experiência individual ou familiar com a INSAN, como é a EBIA, apresenta vantagens frente a outros indicadores de avaliação, por possibilitar diagnóstico rápido e direto da situação de SAN, permitindo ainda estabelecer os graus de gravidade da insegurança, que evolui do seu nível mais leve (ausência da fome) até o de maior gravidade, que significa a experiência da fome.
Reconhecer a realidade de INSAN na população, sobretudo nos grupos mais vulneráveis e identificar sua presença entre indivíduos que buscam assistência, são medidas indispensáveis para o enfrentamento oportuno da falta ou dificuldade de acesso `a alimentação adequada, suficiente e saudável em tempo de pandemia. Conforme consta na Lei Orgânica de Segurança Alimentar Brasileira, de 2006, a SAN corresponde à garantia de que todos tenham acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. Ao oferecer condições para que as ações de SAN se concretizem, o Estado assume o seu papel de garantir a todos (as) o Direito Humano à Alimentação Adequada.