Cestas Básicas Saudáveis na pandemia por COVID-19

Uma das faces mais dramáticas da pandemia por COVID-19 tem sido a fome. Trata-se de uma das expressões da insegurança alimentar e nutricional (INSAN) cada vez mais observadas no Brasil, particularmente quando nos voltamos para as populações em situação de vulnerabilidade. Ações emergenciais têm surgido em todo o país para o enfrentamento do problema, sejam elas atitudes solidárias de doações organizadas por setores da sociedade e ações governamentais no desempenho do dever da garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada.

A distribuição de Cestas Básicas, como ação emergencial para o combate à fome, foi inaugurada como medida estatal de segurança alimentar em 1938, quando foi sancionado o Decreto Lei nº 399. Desde então, a normativa estabelece a entrega de treze itens alimentares com alimentos básicos e seus substitutos, destinados a trabalhadores e suas famílias. A composição padrão da cesta nacional se traduz até hoje por alimentos como: carne, leite, feijão, arroz, farinha, batata, tomate, pão francês, café em pó, banana, açúcar, óleo e manteiga.

Esses itens compõem as cestas básicas nacionais por serem os mais consumidos pela população brasileira, segundo dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares. Entende-se que o padrão estabelecido nacionalmente seja importante até para facilitar a compreensão do poder de compra do salário mínimo, utilizando-se como parâmetro as cestas básicas. Mas não há empecilho nenhum em adequarmos a composição das cestas básicas com alimentos que valorizem cada região do país a partir da produção local e dos hábitos alimentares regionais, até porque o próprio decreto de criação das cestas prevê uma série de substitutos aos padrões do nível nacional.

Que o Brasil é um país de extensão continental e abriga nele regionalidades muito distintas, não há novidade, sendo recomendável que essas cestas possam assim imprimir a representatividade local de forma prática. Ao longo dos anos, o conceito de segurança alimentar (SAN) evoluiu e passou a contemplar a dimensão nutricional. Conforme consta na Lei Orgânica de Segurança Alimentar Brasileira, de 2006, a SAN corresponde à garantia de que todos tenham acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

Paralelamente, é importante ressaltar, ainda, que o país enfrenta outra grande pandemia: a da obesidade. Mais da metade da população apresenta excesso de peso, acarretando uma série de complicações de saúde com o aumento da prevalência de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) e da taxa de mortalidade decorrentes delas. Esse é mais um motivo para o olhar atento à alimentação, inclusive, para os itens que compõem as cestas básicas. Ainda que se tenha atenção quanto à questão da perecibilidade dos alimentos, isso não chancela a entrada de alimentos ultraprocessados em cestas, tais como salgadinhos de pacote, biscoitos recheados, embutidos como salsicha; refeições instantâneas; refrigerantes, entre outros.

Em Análise ao Valor Nutricional das Cestas Básicas Brasileiras, publicada em 2014, foi concluído que, diante das altas prevalências de obesidade no Brasil, recomendam-se adequações nas composições das cestas com inclusão de mais itens alimentares como frutas, verduras e legumes, que diminuiriam o teor calórico e aumentariam as quantidades de vitaminas e sais minerais. Ao mesmo tempo, deveria haver redução com consumo de gorduras com diminuição desse nutriente no preparo culinário, tornando a dieta mais saudável.

As cestas básicas podem e devem ser saudáveis, tendo como base alimentos in natura e minimamente processados com alimentos, preferencialmente, produzidos por pequenos produtores da região, como recomendado pelo Guia Alimentar para a População Brasileira. A depender da logística de distribuição das cestas a perecibilidade dos alimentos também deve ser considerada. Frutas e vegetais de maior durabilidade de armazenamento – como banana, laranjas, batatas, cenouras, entre outros – são ótimas opções de alimentos para compor cestas. Além do arroz e feijão que é uma dupla bem brasileira, recomendável pelo componente nutricional e cultural, outros alimentos saudáveis e com respeito à identidade de cada região também podem estar presentes.

A publicação Alimentos Regionais Brasileiros, de autoria pelo Ministério da Saúde, traz um elenco de alimentos e preparações culinárias que traduzem preferências alimentares históricas de cada região. Alimentos como farinha de milho, fubá, tapioca, feijões, frutas e legumes tradicionais de cada região e dentro da estação podem contribuir fortemente para a valorização cultural, além de componente social e gerador de renda local.

Esses alimentos podem ser combinados de diversas formas, apresentados em preparações culinárias diferentes como o Mingau de Banana Verde, Arroz com Pupunha, Bolo de Murici ou Sopa de Feijão regional no Norte; Paçoca de carne seca com banana da terra, Escondidinho de Abobora com Charque, Rubacão ou Pão de Macaxeira no Nordeste; arroz com Baru, Galinhada com Pequi, Quibebe de Abóbora ou farofa com Gueroba no Centro Oeste; Arroz de forno, Fígado com jiló, Frango com Quiabo ou Farofa de Vagem no Sudeste; Cuca de banana, Rocambole de Pinhão, sopa de beterraba ou arroz carreteiro no Sul; e assim por diante. Até mesmo a preparação de cada alimento de forma simples pode se tornar mais atraente ao paladar quando bem temperados naturalmente com cebola, alho e ervas do quintal, quando possível.

Outra publicação que traz, além de receitas, algumas recomendações saudáveis é o Preparações Regionais: mais saúde nas mesas das famílias do Programa Bolsa Família. Nela as receitas regionais trazem menor adição de açúcar, sal e gorduras. As receitas possibilitam a substituição de ingredientes e composição de um cardápio saudável.

Deve-se salientar que, independentemente da forma que o alimento chegue ao lar – seja por doação ou ação emergencial governamental, seja por aquisição direta – é sempre importante que ele seja promotor de uma alimentação saudável, valorize a cultura e contemple preparações que facilitem o alcance dos melhores níveis de nutrição da população de forma prazerosa, afetiva e digna.